Lutar Contra a Intolerância é Dever de Todos
Historicamente, a intolerância religiosa já foi combustível para a realização das mais estarrecedoras atrocidades, nos mais diversos períodos de tempo e espaço. E, em se tratando de Ocidente, grosso modo, a produção de tanta barbárie encontrava sustentação ideológica no discurso religioso, via de regra, cristão. Os exemplos a esse respeito são abundantes, das Cruzadas ao tribunal do Santo Ofício (um dos períodos mais nebulosos da trajetória humana), onde era comum presenciar pessoas sendo queimadas vivas em praças públicas por ordem da Inquisição. Isso para não citar o silêncio conivente da Igreja com o genocídio dos judeus na Segunda Guerra. Dada a distância no tempo em que estes lamentáveis exemplos de irracionalidade se sucederam, seria natural imaginar se tratar de algo superado, porém acontecimentos recentes ocorridos no Rio de Janeiro nos provam que não, o germe da maldade e do fanatismo ainda resiste e está entre nós.
Todavia, não é tolerável, num país laico (livre, portanto, de proximidades e interferência de qualquer religião) e democrático como o Brasil, que uma menina de 11 anos e sua avó, ambas candomblecistas, não tenham o direito de andar livremente e com segurança pelas ruas da cidade usando as vestes de seu credo sem que sejam ameaçadas e agredidas por uma dupla de extremistas religiosos. Este ato de selvageria fere de morte princípios básicos da democracia, da liberdade religiosa e dos direitos individuais do cidadão, não apenas delas duas agredidas, mas da sociedade como um todo. Deste modo, é dever não apenas da imprensa (que vem tratando o caso com o espaço e importância devida), mas principalmente de todo cidadão rechaçar com veemência estas práticas e cobrar das autoridades punições exemplares aos envolvidos, desencorajando assim que novos casos ocorram, pois não podemos permitir que a bestialidade vire regra entre nós.
Faz-se necessário também a análise sobre as razões e ideias que incitam este tipo de prática intolerante, de negação dos valores do outro, em nossa sociedade. Dentro dessa caixa de Pandora reside, dentre outros elementos perniciosos ao convívio saudável em sociedade, o discurso do ódio proferido por alguns líderes evangélicos, que contam com espaço e a simpatia de parte de nossa mídia (que agora se mostra alarmada com a escalada da brutalidade a que se chegou). E o ponto em comum entre esses religiosos é a inserção dos mesmos no universo político, com o uso indiscriminado de suas respectivas igrejas como curral eleitoral, e nesta promiscuidade entre política (abastardada) e fé (cega) estes senhores vão mantendo a si e aos seus parentes nos cargos eletivos deste país, evidenciando que o que desejam, na verdade, estes paladinos “da moral e bons costumes” é tão somente a manutenção de sua casta no poder. O Congresso Nacional está cheio deles, que se intitulam membros da bancada evangélica (uma vez que o Congresso foi desmembrado em diversos grupos de interesses, comerciais e apequenados, mas nunca em defesa das demandas populares), com pautas conservadoras e também patéticas, como o caso da cura gay. Projeto propondo curar a desfaçatez, a ganância desmedida e a corrupção nenhum deles apresentou até hoje. Ainda sobre corrupção, o mais expoente membro desta bancada é o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, que a despeito de seu discurso moralista é um dos ilustres parlamentares a figurar na lista de investigados da operação Lava Jato, da Polícia Federal.
Diante das questões aqui levantadas, fica premente a necessidade de reação e posicionamento de todo brasileiro contra essa investida da barbárie sobre os valores da liberdade, da democracia e da razão. O primeiro passo foi dado numa caminhada, na Vila da Penha, zona norte do Rio, contra a intolerância religiosa, reunindo líderes das mais diversas religiões num clamor pela paz. É papel de cada cidadão lutar pela manutenção da laicidade do Estado Brasileiro e pelos valores que respeitem a liberdade e a civilidade nas relações sociais.