Caro Diário

São Paulo, 13 de junho de 2007

Caro Diário,

Escrevo-te para dizer que estou bem. Não mudou muito o mundo por aqui desde a última vez que lhe falei.

O ônibus continua lotado, o céu ainda é cinza, meus cabelos desgrenhados, o trânsito parado e o tédio sempre igual.

Explico assim o porquê do tempo sem dar notícias, não havia o que contar, na televisão as mesmas novelas, os mesmos programas de baixaria, no jornal as mesmas tragédias, na rua os mesmos rostos (e ainda assim, ninguém se conhece). Entende, amigo?

É como se nestes tempos não se vivesse. Hoje, enfim, algo aconteceu. Algo diferente. Não sei se com o mundo, se comigo, mas aconteceu.

No ônibus pra cá (entupido!) conversei com muita gente. Caras novas para mim, depois descobri que os via todos os dias. O rádio estava ligado, passando um noticiário que intercalava informação e música. A locutora falou sobre o enorme trânsito devido a uma exposição de arte (estranho! Achei um bom motivo pro trânsito!). Após o alvoroço dentro do coletivo, primeiro pela notícia que levou todos a pensarem nos minutos descontados no salário ao final do mês e depois por um daqueles “tarados de ônibus cheio”, pude ouvir “É! A gente não tem cara de babaca! A gente não tem jeito de panaca! A gente não está com a bunda exposta na janela pra passar mão nela”, música de Gonzaguinha.

Ninguém ali percebeu, nem prestou atenção. Diante daquela bela canção viam-se rostos cansados, olhares distantes (provavelmente pensando no dia de trabalho), cotoveladas e falta de solidariedade com idosos em pé e estudantes que mal podiam segurar seus materiais (eu, inclusive).

Panacas! Babacas! Bundas expostas nas janelas! De repente percebi que era pra mim, pra todos nós, pra quem aceita a humilhação como sendo normal.

Pelo caminho, pelo vidro, vi cinemas, parques, teatros e me perguntei por que não vivia nada daquilo.

Desci, sentei aqui. Peguei minha arma e, em gesto de protesto, comecei escrever. Abri meus olhos e cantei. “É! É! É! A gente quer é ser uma nação, a gente quer é ser um cidadão! É! É! É!”

Espero escrever-te em breve lhe contando novidades.

Até,

Juliana