Diário de Sonhos - #097: Carequinha
Sonhei que estava caminhando numa planície que se estendia até onde a vista alcança. A grama, que vinha até a altura dos joelhos, balançava ao sabor do vento. Era um dia nublado, escuro, frio e cinzento. Caminhávamos eu e algum colega de escola (não lembro quem era, se era ele ou ela, só lembro que era da escola). Íamos conversar com a diretora sobre mudar de área dentro da empresa (aqui minha cabeça misturou meu trabalho com a escola). Era um barraco de madeira escura, ébano ou mogno. Liso, imponente e frio. Lá dentro havia uma salinha de espera, com um sofá de dois lugares e uma poltrona. No outro recinto ficava o consultório da diretora, que na verdade era doutora. Bati na porta e ela pediu pra aguardar, pois estava atendendo outra pessoa. Pela porta entreaberta pude ver que era uma colega da escola. Estava deitada numa daquelas cadeiras automáticas de dentista, coberta com um avental verde. Usava também uma touca verde. Logo acima da cadeira uma enorme lâmpada pra iluminar sua boca. A sala era toda branca e clara. Inúmeros pequenos espelhos matematicamente alinhados nas paredes. Em três paredes havia três pias com três grandes espelhos ovais, e em cima delas tesouras, secadores de cabelo, pentes, barbeadores e lâminas, tudo perfeitamente ordenado e alinhado. A doutora estava de costas pra mim. Completamente trajada de verde, como uma enfermeira. Era gorda e baixa. Não consegui ver seu cabelo, que estava sob a touca verde.
Resolvi sentar e esperar. A sala de espera, por outro lado, era muito escura, não tinha luz. Tudo parecia velho e morto. Sentei na poltrona e o/a colega de escola no sofá, que ficava de frente pra porta do consultório. Reparei que embaixo da poltrona havia muitas moedas de um real. Inúmeras. Alguém as havia esquecido. Fiz uma conta por cima, devia ter mais de cem, mais de duzentas. Umas quinhentas talvez. Mil reais em moedas. Minha cobiça atiçou e comecei a recolher e escondê-las em todos os bolsos que eu tinha. Ouvi gritos e som de broca de dentista (ou era uma furadeira?) saindo da sala. Ouvi uma voz rouca e doente - "parece que a doutora vai ter que te deixar carequinha...".
Fui dar uma espiada. Abri um pouco a porta. O consultório já não era mais branco e iluminado. Assim como a sala de espera, estava escuro, frio, decrépito e negro. Os espelhos perfeitamente alinhados agora eram cacos de vários tamanhos pendurados em desordem por todas as paredes. As pias sujas e bagunçadas. A enorme lâmpada sob a cadeira de dentista era agora vermelha. A então cadeira de dentista era agora uma mesa de tortura feita de madeira. Sobre esta, amarrada com arame farpado, estava minha colega de escola. Usava um sobretudo de couro preto colado no corpo. No rosto uma máscara de gás. Estava careca. A doutora trajava um uniforme preto apertado na cintura. Botas pretas. Quepe preto e uma faixa vermelha no braço. Parecia um oficial nazista da SS.
Imediatamente voltei pra sala e comecei a devolver todas as moedas pra debaixo da poltrona. Ouvi mais uma vez ela dizer - "parece que a doutora vai ter que te deixar carequinha...". A voz dava arrepios. Minhas mãos congelam de medo. Ela sai da sala, flutuando a alguns centímetros do chão, completamente imóvel, como uma figura recortada de um livro. Imóvel e olhando diretamente pra mim. Consigo sair da casa e disparo pela planície, onde, logo em seguida, dois caras numa moto me perseguem. Eles me alcançam e colocam um revólver na minha testa.
Acordo.
Vinte de junho de dois mil e quinze.