Saramago e Pilar .
Ontem assistia meio sem querer , a uma reportagem com "Pilar del Rio", viúva do grande escritor português "José Saramago", era um programa produzido pela TV portuguesa, com direito a tomadas de Pilar com Saramago, no seu cotidiano na ilha "Lanzarote" ( do arquipélago das Canárias), onde escolheram viver.
Mostravam os dois na árdua rotina de trabalho, de revisões e capítulos concluídos em mínimos detalhes, onde José costurava as suas ideias , permitindo que a esposa corrigisse as formas, mas não as ideias, no que estava correto. O amor dos dois e a cumplicidade estava presente, a harmonia de um casal com diferentes idades, me deu a impressão, e é real, de que as vezes, raras vezes, dois seres nascem em épocas distintas, e podem ser almas gêmeas , e isto nada tem haver com corpo, apenas transcende.
Já sabia dela, e quem não ? Pilar é uma espanhola, jornalista conceituada, engajadíssima e atuante no meio literário, mas também dona de uma personalidade marcante, beira a arrogância, dessas que respondem tão depressa , que parece que o interlocutor sequer terminara a pergunta, o que na verdade me aflige, porque eu sou completamente o oposto, faço pausas tão demoradas que as pessoas querem me estrangular...
"Saramago" estava com sessenta e seis e ela com trinta e oito ,quando se encontraram e assim ficaram juntos, como dois passarinhos, até a sua morte em 2010, aos oitenta e oito anos. Uma vida plena de companheirismo, e o escritor sempre lhe concedia créditos que certamente ela os tinha, e também se divertia com aquela maneira ácida, direta e humorada de "Pilar" comentar sobre a vida . Para ele, Pilar representava a própria vida.
Em certo momento o entrevistador lhe perguntou sobre o cargo de "presidente" do órgão da literatura e tal...e ela mais do que depressa, retrucou enfática; "presidenta" , e não "presidente", pois se existe a função, existe a palavra, e repetiu por sílabas pre-si-den-ta.
Convenhamos, a gramática é normativa , aqui e em qualquer lugar, e por isso ninguém deve impor suas próprias vontades , mesmo que pareça justo, como de fato é, mas não legal. A forma "presidente" vem do verbo presidir, aquele que preside, seja homem ou mulher, pois presidir significa ; " aquele que se senta a frente", embora o gramático "Aurélio Buarque" considere a forma no dicionário ( como mulher do presidente ), não podemos esquecer que dicionários e gramáticos não são sinônimos de "gramática", que rege as formas da fonética e da grafia. Formas livres são aceitas apenas em textos coloquiais , que retratam a simplicidade .
Engraçado que a presidente "Cristina Kirchener" da Argentina, e a presidente "Bachelet " do Chile, pegaram a mesma mania da presidente" Dilma", acho que a saia está subindo à cabeça, pois os direitos da mulher são plenos, e se ainda não forem, deveriam ser , pois a capacidade feminina de gerir é inquestionável, não precisa de arroubos de arrogância , acho que é questão de tempo para que a gramática entenda e aceite a nova forma como gênero.
Fez uma ligeira crítica ao posicionamento brasileiro para a língua portuguesa, creio eu que se referindo aos encontros gramaticais com os lusitanos, para a unificação , o que considero um absurdo, pois cada um deve manter a língua viva dentro de suas próprias culturas. Quando damos alguma coisa a alguém , passa a ser desse alguém, já não nos pertence, não é um empréstimo. Se déssemos um quadro para um amigo, e depois de um tempo o visitássemos, não poderíamos lhe perguntar; " Onde você pôs o quadro que te dei ?" , pois ele teria o direito de dizer; " No quarto das tralhas para espantar as baratas", e apesar da resposta atravessada, ele estaria no seu direito .
Bem...acho que já me demorei demais neste negócio, mas o fato é que gostei muito da matéria, pois "Saramago" é ( vive nos livros) um dos grandes da língua portuguesa, idioma tão maravilhoso, que pertence a humanidade .