O COLOCADOR DE PRONOMES
Dias atrás troquei correspondência com um amigo meu publicitário e fiquei confuso ao utilizar o "teu" e o "seu" e vice-versa.
Confesso que nunca dominei a diferença.
Mas meu amigo não deixou passar meus erros, bem ao seu estilo de "perco o amigo mas não perco a piada".
Monteiro Lobato tem publicado um conto que é uma preciosidade e chama-se "O colocador de pronomes".
Narra a vida e morte de Aldrovando Cantagalo que veio ao mundo em virtude dum erro de gramática.
E, durante sessenta anos de vida terrena pererecou como um peru em cima da gramática.
E morreu, afinal, vítima dum novo erro de gramática.
É o mártir da gramática portuguesa, e aguarda bem merecida canonização.
Toda tragédia da sua vida, ou melhor, a torta trajetória da existência decorreu sempre da razão de que não sabia colocar os pronomes.
Ousou, certa vez, mandar um bilhete a mulher amada nos seguintes termos: "Anjo adorado! Amo-lhe!"
O respeitabilíssimo, (e espertíssimo), pai da moça, Coronel não sei das quantas, chamou o moço e perguntou-lhe: "– É sua esta peça de flagrante delito?"
Era.
E o pai da moça, sabedor de gramática, obrigou-o a...casar-se!
Mas ofereceu-lhe a segunda filha, "feia" e "encalhada", com o seguinte argumento:
" ___ Você mandou este bilhete à Laurinha dizendo que ama-"lhe”. Se amasse a ela deveria dizer amo-”te”. Dizendo amo-"lhe” declara que ama a uma terceira pessoa, a qual não pode ser senão a Maria do Carmo. Salvo se declara amor à minha mulher…
– Oh, coronel…
– … ou a Luzia, a cozinheira. Escolha!"
E continuou o severo sermão ao pobre moço:
"– Os pronomes, como sabe, são três: da primeira pessoa – quem fala, e neste caso você; da segunda pessoa – a quem fala, e neste caso Laurinha; da terceira pessoa – de quem se fala, e neste caso do Carmo, minha mulher ou a cozinheira. Escolha!"
E assim foi por toda a sua vida.
Aceitando decisões erradas...
Por não saber colocar os pronomes...!
Sou assim também, mal colocador de pronomes.
Tive a sorte, entretanto, de nascer em tempos menos severos.
Um professor meu contava a seguinte história, para ilustrar de como essa questão de colocar pronomes é séria:
"Um homem contratou um detetive particular para investigar um alto empregado da sua empresa. Ele estava desconfiado de que o funcionário estava saindo com sua mulher; ou, mais claramente, colocando-lhe cornos na testa.
Após um tempo de investigação o detetive entra no escritório do empregador desconfiado e faz-lhe um relatório:
"Senhor Cornélio, todos os dias o Senhor Ricardo deixa o seu escritório, entra em seu carro, dirigi-se à sua casa, almoça na sua mesa, na sua cozinha, depois deita-se em seu sofá, assiste a sua TV, e por fim faz amor com sua esposa. Depois banha-se em seu chuveiro e retorna ao seu escritório.
O senhor Cornélio ouve atentamente e suspira aliviado:
" - Então todas as minhas suspeitas são absurdas? Meu empregado NÃO está tendo um caso com minha mulher!"
E o detetive, com desalento, passa a mão na cabeça e explica:
"__ Creio senhor Cornélio, que um de nos não seja um bom colocador de pronomes!"
Obrigado pela leitura.
Sajob - junho / 2015