Até que o tempo nos separe

Até que o tempo nos separe!

Essa semana estive horas no Fórum, para um assunto de trabalho, e vi mulheres completamente perdidas, que não se permitiram viver a relação conjugal, não tiveram a chance, ou não souberam como coordenar a estrada que percorrida. Refletindo sobre os destroços do sair de um casamento, ouvi e presenciei outras tantas. Embora não seja catedrática em assuntos matrimoniais, sou mulher e avalio a dimensão do sofrimento que aflige milhões de mulheres a cada ano, em qualquer canto do mundo, do bar, do quarto, em qualquer estação, faça chuva ou sol, o que faz qualquer mulher executiva, dona de si, sentir-se a deriva de si mesma, desolada, inconsolada é o rompimento da canção, do acordo, do estar juntos, do amanhecer olhando seu amor ao lado, enfim, a mudança da condição civil... Elas esquecem que o pra sempre, sempre acaba, como na música. Filmes como Comer, rezar e amar, e Sob o sol da Toscana tratam poeticamente do refazer-se de uma mulher que busca descobrir qual seu lugar após uma separação com traição, qual seu espaço na sociedade, na família e principalmente o que ela quer a partir de então. "Paola era uma mulher que na iminência de separar-se do marido viu-se despedaçada emocionalmente. Sentia seu coração feito uma uva passa, um amargor nas palavras ditas, uma nuvem de brumas cinzas rodeavam seus dias e estava desolada. Seus cafés nunca mais seriam os mesmos, seus projetos, seu espaço na casa não seria mais de esposa, mas apenas de uma mulher sozinha com o que havia restado de anos em que parte do outro havia tornado-se parte dela mesma. Só que o outro se fora, não havia mais um canto com seu perfume na casa, suas roupas não estampavam mais o ambiente, sua voz calara-se com a saudade e o ressentimento. Quem sou eu agora? Qual o lugar que ocupo em meu próprio coração perdido? O que posso dar pra mim? Paola soube ouvir seu próprio eu, e durante dias, constatou que uma separação não era o mesmo que a temida solidão. Era o fim de um drama, e que poderia virar uma nova relação consigo mesma, nova descoberta, nova interpretação do que seria estar vivendo mais intimamente. E assim vai, até que ela chega em casa uma noite e não consegue sentir mais a falta dele, dos sapatos, da camisa na poltrona e ela lança seus saltos, seus batons e perfumes contra a parede quebrando-os. Depois de olhar aquilo por algum tempo, ela promete que seria a última vez que quebraria seus objetos e suas escolhas, pois ela só usaria o perfume, o batom e tudo o mais de sua preferência a partir de então." Isso é um trecho de um conto meu, mas deixo na crônica de hoje a reflexão pra muitas mulheres que não conseguem preencher o vazio deixado pela separação.

Assim pode-se caminhar uma mulher que pretende ser a sua melhor companhia sempre, e que esse caminho não seja pelo acostamento, mas por vias principais, deixando vir a tona sua criatividade, sonhos, que por ventura andaram envelhecidos. É possível vislumbrar novos traçados, novos olhares, caminhares e um sentir mais leve após respirar fundo toda a solitude permitida. Solidão não é veneno pra alma, e pode ser sim uma grande conselheira para o coração. Impressiona-me a capacidade que a mulher tem de pintar seus quadros de vida com novas cores, de ver sonhos não desbotarem e transcender de lugar e condição de esposa, mãe, irmã, amiga e filha para a mulher que escolhe ser, que acolhe e faz como quer, quando quer e com quem bem entende. A mulher que se descasa, que se desamarra dos projetos, hoje desfeitos, é capaz de dar novo status a ela mesma até para amigas mais íntimas. Isso não é filme. Podemos sim viver fora do cinema uma vida em tela plena. O espaço vazio, o canto da sala, a taça que passa a ser única, a cama menos desfeita, o acordar num silêncio só pra ela, as almofadas em desalinho serão cenas de um filme real que não tirará tantas lágrimas daqui a algum tempo. Casais se encontram, se conhecem, se aquecem, permitem-se, compartilham confidências, a decoração do coração, da casa, das lacunas não preenchidas e as quais achamos que o "outro" deve preencher...

Traga um pouco desse outro pra você, mesmo que seja imaginário, mas aqueça o tempo que tens com o melhor de uma vida incomum, mesmo estando só. E no próximo encontro construa uma relação permeada de menos padrões, com mais conquistas, pois a cada dia podemos ser diferentes, conservando o que se deve, o que agrada, o que soma, mas não desfaleça sua capacidade de amar primeiramente a mulher que todas somos. A convivência é uma arte árdua, que molda o tempo do estar juntos. E vem com uma carga maior de dedicação que pensamos. Uma pessoa prestes a se separar pode pensar: "Eu serei a mulher que espero quando meus dias amanhecerem diferentes?" A separação é o desnudar individual, é mostrar o que se tem e o que restou em diferentes espaços adquiridos. Mas o primordial para a sobrevivência emocional é saber permitir a você mesmo o lugar que deseja ocupar na própria vida. Sem temer estigmas de mal amada, descasada, mas dando nuances e sabores às novas frestas abertas, para que uma mulher não se separe dela mesma. E que as madrugadas insones sejam breves...

Mônica Ribeiro

07/06/15

Mônica Ribeiro
Enviado por Mônica Ribeiro em 15/06/2015
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