Orkut: A vida entre o privado e o público
CAIXA DE RECADOS DE ROBINHO MANSO
Roberta (13/06 às 19h): Cara... eu não sabia que você tinha sido chifrado na frente de todo mundo. Fui ver isso na sua caixa de recados e na do Ricardão e da sua ex e vi que o clima tá sinistro. Tô aqui só pra dar a minha solidariedade.
Carlinho Mandioca (13/06 às 14:15h): Robinho... tu é mané. A sua mulher é minha. Ahahahahahah...
Roberval (13/06 às 00:32h): Fala, Robinho... sei que vc meteu o pau no safado do Carlinho. Quem diria, vc pegou na maciota o seu melhor amigo pondo um par de chifre com a sua mulé. Vc fez bem... tô contigo e não abro. Vai na minha!
Leka (12/06 às 23:45h): Amoreco, me perdoe! Eu não mereço isso! Eu fiz sem querer. Prometo nunca mais fazer aquele papelão com vc. Binho... você é meu amor, meu pão doce... tudo de bão.
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Pobre Robinho Manso... após vítima de uma traição, ele arcou o ônus não só no mundo real, estendendo a repercussão na caixa virtual de recados da sua página no orkut. Perdeu a paz e a própria privacidade. Todos, de uma forma ou outra, souberam da trágica infidelidade cometida em uma festinha pela sua recente ex, a Alessandra (vulgo "Leka"). Após ter flagrado ela com o seu velho amigo, o Carlinho Mandioca, ele bateu nos dois e saiu magoado e revoltado com aquela situação constrangedora.
Mal sabia ele que, minutos depois, o assunto estaria em sua caixa de recados e, provavelmente, nas comunidades do orkut onde ele é conhecido, por ser boa praça e "amigo da galera".
Pobre Robinho Manso...
Já foi o tempo em que a vida privada era vista apenas pelo próprio indivíduo ou, no máximo, compartilhada entre os amigos e pessoas mais achegadas. Foi o tempo que selecionávamos a forma, o momento e o período mais adequado para confidenciar os nossos segredos, as vontades íntimas, desejos secretos e fragilidades.
Hoje, na sociedade da informação do século XXI, o segredo passou a ser um domínio público.
Com o avanço do mundo virtual, inclusive por intermédio de portais de relacionamento como o orkut, a tônica em torno do respeito à privacidade desapareceu.
A "privacidade" perdeu alguns significados originais e adicionou novas apropriações vernaculares.
A publicidade das caixas de recados dos diversos perfis é um convite à vista para os fofoqueiros, desocupados e hackeres de plantão. Entre assuntos bem recônditos e outros de cunho mais aberto e trivial, alimentam-se boatos, calúnias e fofocas gratuitas, sem a permissão do dono do perfil e das suas respectivas mensagens.
O público adentra na vida íntima do indíviduo e o que vemos hoje é o fenômeno da "intimidade pública", onde cada um de nós somos - querendo ou não - homens e mulheres públicos, a contragosto e pelo simples favor (ou culpa) do avanço tecnológico.
Não sabemos mais aonde usufruir dos nossos sonhos e planejamentos. Daqui a pouco, nem eu (tampouco você) saberemos quem somos. Vai chegar um tempo (se não é que já estamos) que os terceiros saberão mais sobre as nossas atividades, ações, motivações e posturas comportamentais de quem nós somos ou como nos portamos.
E o orkut (de forma eficaz ou daninha) corrobora para isso.
Não somos mais nós, em uma esquizofrenia patológica de quem perde, por si mesmo, a própria identidade. Somos público e, ao mesmo tempo, parte de grupos ou "tribos". Perdemos o nosso eu.
A maior contradição da sociedade individualista presente na dita pós-modernidade é o esvaziamento do eu e a publicidade desse "eu" para gente que sequer tem contato com o dia-a-dia do indivíduo.
Reflete-se todo o desespero na letra mais que conhecida e desgastada dos tribalistas, que assim diz: "Não sou de ninguém! Eu sou de tudo mundo e todo mundo me quer bem." Será!?
Outrora, só Deus (e no máximo, nossa família, um ou outro amigo e o seu cônjuge - ou amor) conhecia a nossa vida e os nossos projetos.
Hoje é a torcida do Flamengo, do Corínthians e do Vasco juntas!
Já estou em crise.
Minha nossa! Quem sou eu?