Casualidade

Aconteceu na última sexta-feira 13. Ela estava sentada em uma mesa de bar, num desses bem vagabundos e sujos, onde tenho o hábito de ir com amigos nos finais de semana para tomar uma cerveja e jogar conversa fora. Mas, ali, ela era mais que uma flor... uma verdadeira obra de arte do século passado. Seu corpo angelical, certamente fora esculpido em noite de lua cheia. Seus cabelos... ah, pareciam de seda pura! O rosto estava direcionado sempre para a mesa onde eu estava. Não sei se por coincidência ou sorte. Aqueles olhos azuis pareciam um mar a desaguar em mim. Era tanto brilho que me vi naufragado no seu mudo olhar.

O garçom estava lá para servi-la e, o fazia com extrema cordialidade. Aquilo me doía por dentro, me roía até o último compartimento de minha alma, puro ciúme. Pode parecer ridículo, mas desejei como nunca, ser escravo daquela criatura. Haveria de servi-la como a uma deusa, oferecer-lhe meus serviços amorosos e duradouros.

Passei horas espreitando seus movimentos. Cada gesto me enchia de coragem. Estava embriagado sem ter tomado um único gole até aquele momento. E, a cada instante, eu dizia: “é agora que vou falar com ela”. Só que esse é agora ficava sempre para “daqui a pouco’'. A vil coragem desaparecia rapidamente.

A noite corria apressada. As mesas já quase vazias traziam o cheiro da solidão. O garçom exausto já não era o mesmo. As garrafas tombadas pelas mesas davam sinais de que a noite estava chegando ao fim.

De repente ela fez um breve sinal para que encerrassem sua conta. Rapidamente fui ao encontro do garçom. Solicitei que pedisse o número do telefone daquela criatura. Quando ele apresentou a conta ela retirou da bolsa uma caneta dourada e um lenço de papel cor-de-rosa, fez alguns gestos, levou-o à boca... me pareceu que redigiria o desejado número.

Quando ela desceu as escadarias que ficava na lateral do bar, corri até o garçom para que me entregasse o lenço. Infelizmente ela só havia retirando o excesso do batom. Aquele beijo no lenço, não era para mim... nem ao menos o primeiro úmero do telefone foi redigido.

Se ao menos eu tivesse bebido, a decepção teria sido menor.

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 15/06/2007
Reeditado em 05/10/2017
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