Haste de Hilda Hilst e sua Hóstia

 
 “Quando se levantou, bastante emocionada para fazer o seu discurso, ocorreu-me de repente a poética imagem da haste delicada de um ramo tremente de avenca…”*
 

 

Uma haste sim, mas não trêmula. Uma haste firme que sustenta sua bandeira, a flor Poesia e Novelas e Dramaturgia e Crônicas. Frágil avenca? Não.
Firmes tulipas da Literatura.
 
E esta sólida haste se fez por sua reclusão voluntária em sua “Casa do Sol”. Refúgio onde receberia a iluminação para escrever. Iluminação não romântica, mas da dedicação à leitura e à escrita, da prática e do compromisso com aquilo que determinara: sua obra.
Assim foi a vida da escritora Hilda Hilst. Nesta estância, Casa do Sol, esta iluminação veio por muito escrever e muito ler através de rígida disciplina que lhe consumia por várias horas diárias incansavelmente. Era ela motivada pelo objetivo de ler o melhor para melhor escrever sua obra.
 
Por ler de tudo e do melhor ela escreveu com ousadia de linguagem e um conteúdo profundo. Em vida foi considerada uma escritora hermética e inacessível. Ela estava à frente de seu tempo. Hoje Hilda Hilst começa a ser descoberta por críticos e por fãs que buscam a melhor literatura. Hilda Hilst é uma escritora além de sua morte física como bem escreveu:
 
“Ainda que as janelas se fechem, lá fora amanhece”.
 
Se a haste de sua sustentação foi a busca pela sua obra escrita, a hóstia de Hilda Hilst foi seu discurso literário rico que estava além do comerciável por escrever temas tabus e pesquisar o espiritual com olhar das ciências.
 
Ao perceber que era pouco lida Hilda Hilst passou escrever aquilo que ela achava obsceno. Mesmo assim sua linguagem era tão esmerada que, mesmo querendo, não conseguiu “descer o nível” do popularesco.
 
Afora o ofício de escritora fez pesquisas sobre a morte além do que as religiões dizem. Por isto foi muito criticada por cientistas que lhes acusaram de querer estabelecer novas leis e princípios da Física e da Matemática. Diziam que ela estava apenas cometendo “Pareidolia” – necessidade e capacidade de o cérebro organizar e ver imagens ou ouvir sons semelhantes a rostos e vozes humanas.
 
Hilda Hilst estabeleceu conceitos sobre a relação Morte/Deus como no que escreveu:
 
“Mora na Morte aquele que procura Deus na austeridade”.
 
Ao habitar a Casa do Sol  Hilda Hilst recebeu e asilou artistas plásticos, escritores e cientistas. Após a morte da poeta, sua estância foi transformada no Instituto Hilda Hilst para guardar sua obra e receber artista, escritores e pesquisadores de sua poética.
Distribuímos sua  hóstia com suas palavras declaradas e poetizadas:
“É por isso que escrevo, porque penso que com a poesia... a emoção se desprenda da emoção cotidiana. A poesia é algo além da emoção. Ela é um modo de disciplinar o dizer amoroso...”
 
E ainda:
 
“De tanto te pensar, Sem Nome, me veio a ilusão.
A mesma ilusão.
 
Da égua que sorve a água pensando sorver a lua.
De tanto te pensar me deito nas aguadas
E acredito luzir e estar atada
Ao fulgor do costado de um negro cavalo de cem luas.
De te sonhar, Sem Nome, tenho nada
Mas acredito em mim o ouro e o mundo.
De te amar, possuída de ossos e de abismos
Acredito ter carne e vadiar
Ao redor dos teus cimos. De nunca te tocar.
Tocando os outros
Acredito ter mãos, acredito ter boca
Quando só tenho patas e focinho.
Do muito desejar altura e eternidade
 
Me vem a fantasia de que Existo e Sou.
Quando sou nada: égua fantasmagórica
Sorvendo a lua n’água.”
 




Leonardo Lisbôa
Barbacena, 09/06/2015


*Lygia Fagundes Telles sobre Hilda Hilst, no nº 08 dos Cadernos de Literatura Brasileira do Instituto Moreira Salles, publicado em 1999”
*² Texto baseado e citações transcritas do Livro: Fico Besta Quando me Entendem, entrevistas com Hilda Hilst, Cristiano Diniz (Org.). Biblioteca Azul.


 
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Leonardo Lisbôa
Enviado por Leonardo Lisbôa em 12/06/2015
Reeditado em 14/06/2015
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