Greves
Greves
Greve dos carros. Nenhum carro sai da garagem. "Não saio daqui nem arrastado", atesta serenamente um Chevrolet em bom estado. Um homenzinho diz para o proprietário: pra que carro se você pode voar? Voar, como posso voar?! Volveu o proprietário, apoplético. Abrace alguém, insiste o homenzinho, aquela moça, por exemplo. Greve dos caixas eletrônicos, cansados de serem explodidos por tarados, agora só soltam flores. Dona Dirce ganhou um ramalhete de azáleas. Greve dos paus de selfies que passaram a repetir como robôs: sabes onde enfiar... Greve dos corações, que por um segundo pararam de bater, seus donos ficaram em pânico, um deles se jogou no chão, ganindo: por que fazes isso? O coração replicou: fazes pior comigo. Greve dos historiadores anônimos, que rasgaram os rascunhos sobre a batalha de Agincourt, franceses contra os arqueiros britânicos. As batalhas eram observadas por arautos que escolhiam os vencedores. Se um soldado se rendesse, era tratado humanamente. Muitas das Leis Internacionais de hoje foram escritas nessa época, quando era possível discernir tempos de guerra de tempos de paz. Greve dos pensadores desocupados, que pensam sentados em jardins, literalmente, pensam até não poder mais sobre pessoas sendo propriedade de outras, que controlam seus cotidianos com tenazes de aço, sem empatia ou consideração pelo sagrado de suas vidas, meras vidas, passíveis de destruição a qualquer momento. Greve dos botânicos esotéricos, que cruzaram os braços prometendo nunca mais revelar que as Sequóias são Seres Mestres, guardiões de registros, autênticos portais sendo isto tão verdadeiro como o nariz em vosso rosto. Tais árvores imensas convertem a água do solo e da chuva em cristais de água codificados. Em razão desta alta freqüência, dir-se-ia única, seres de dimensões superiores, angélicas, ali são capazes de se manifestar. Greve das bíblias, nenhuma bíblia sai mais da estante ou prateleira, até a bíblia de John Edwards, cheia de iluminuras e escrita em quatro idiomas, grego, hebraico, aramaico e inglês. Greve das bancadas, que se sentem ultrajadas, pois há muito se prestam livremente ao granito ou a marcenaria, figuram em quartos, cozinhas, banheiros, nos lares, no comércio e na indústria, e de repente viram sua nomenclatura associada a crimes hediondos não relatados, traumas desconsiderados e acrescidos de constrangimentos coletivos criteriosamente arquitetados. Nem com tratores pode-se mover as bancadas das lojas. Estão imóveis. Greve dos idiotas, que já se ufanaram desse título e hoje se percebem obsoletos. Greve das bananas, que não ficam mais verdes ou amarelas. Greve dos emotivos, que não conseguem mais conviver com aqueles que suprimem a sinceridade. Isso os incomoda a tal ponto que experimentam sensibilidades no corpo todo e por fim nas coisas da mente. Então sentem uma necessidade intensa de tempo para si mesmos e entram em greve.
(Imagem: W. Eugene Smith)
Greves
Greve dos carros. Nenhum carro sai da garagem. "Não saio daqui nem arrastado", atesta serenamente um Chevrolet em bom estado. Um homenzinho diz para o proprietário: pra que carro se você pode voar? Voar, como posso voar?! Volveu o proprietário, apoplético. Abrace alguém, insiste o homenzinho, aquela moça, por exemplo. Greve dos caixas eletrônicos, cansados de serem explodidos por tarados, agora só soltam flores. Dona Dirce ganhou um ramalhete de azáleas. Greve dos paus de selfies que passaram a repetir como robôs: sabes onde enfiar... Greve dos corações, que por um segundo pararam de bater, seus donos ficaram em pânico, um deles se jogou no chão, ganindo: por que fazes isso? O coração replicou: fazes pior comigo. Greve dos historiadores anônimos, que rasgaram os rascunhos sobre a batalha de Agincourt, franceses contra os arqueiros britânicos. As batalhas eram observadas por arautos que escolhiam os vencedores. Se um soldado se rendesse, era tratado humanamente. Muitas das Leis Internacionais de hoje foram escritas nessa época, quando era possível discernir tempos de guerra de tempos de paz. Greve dos pensadores desocupados, que pensam sentados em jardins, literalmente, pensam até não poder mais sobre pessoas sendo propriedade de outras, que controlam seus cotidianos com tenazes de aço, sem empatia ou consideração pelo sagrado de suas vidas, meras vidas, passíveis de destruição a qualquer momento. Greve dos botânicos esotéricos, que cruzaram os braços prometendo nunca mais revelar que as Sequóias são Seres Mestres, guardiões de registros, autênticos portais sendo isto tão verdadeiro como o nariz em vosso rosto. Tais árvores imensas convertem a água do solo e da chuva em cristais de água codificados. Em razão desta alta freqüência, dir-se-ia única, seres de dimensões superiores, angélicas, ali são capazes de se manifestar. Greve das bíblias, nenhuma bíblia sai mais da estante ou prateleira, até a bíblia de John Edwards, cheia de iluminuras e escrita em quatro idiomas, grego, hebraico, aramaico e inglês. Greve das bancadas, que se sentem ultrajadas, pois há muito se prestam livremente ao granito ou a marcenaria, figuram em quartos, cozinhas, banheiros, nos lares, no comércio e na indústria, e de repente viram sua nomenclatura associada a crimes hediondos não relatados, traumas desconsiderados e acrescidos de constrangimentos coletivos criteriosamente arquitetados. Nem com tratores pode-se mover as bancadas das lojas. Estão imóveis. Greve dos idiotas, que já se ufanaram desse título e hoje se percebem obsoletos. Greve das bananas, que não ficam mais verdes ou amarelas. Greve dos emotivos, que não conseguem mais conviver com aqueles que suprimem a sinceridade. Isso os incomoda a tal ponto que experimentam sensibilidades no corpo todo e por fim nas coisas da mente. Então sentem uma necessidade intensa de tempo para si mesmos e entram em greve.
(Imagem: W. Eugene Smith)