O LADRÃO FIEL
No mundo do crime não prevalece o ditado de que o raio não cai duas vezes no mesmo lugar. Cai, sim. A bandidagem é tão proativa que são comuns os casos de vítimas “reincidentes”, principalmente estabelecimentos comerciais que têm dinheiro em espécie e, por isso, costumam ser alvo constante dos amigos do alheio. Por exemplo: em Porto Alegre um posto de combustível foi assaltado duas vezes no intervalo de trinta minutos no mês de abril. Ou seja: caíram dois raios no mesmo lugar em meia hora. Um bandido saindo e outro chegando. Revezamento dois por um, digno de uma olimpíada.
Mas o fenômeno mais curioso aconteceu na cidade de São Carlos, em São Paulo. O mesmo raio atingiu uma residência 32 vezes. Vou repetir, agora por extenso: trinta e duas vezes. Em média, um assalto por semana. A série começou há cerca de seis meses, contra uma senhora de 77 anos. Além da grana (cerca de quinze mil reais), o assaltante surrupiava, a cada invasão, parte dos móveis e utensílios da casa. Para facilitar futuras incursões, o larápio já deixava uma abertura no telhado, acima da grade que supostamente protegia a janela. Era só chegar, trepar na grade, afastar as telhas e fazer a festa. Muito prático.
Mas o ladrão tinha um código de honra. Certa vez, a idosa percebeu sua aproximação porque a TV estava desligada e abriu-lhe a porta, dizendo:
- Pode entrar, você já é de casa!
Ele se ofendeu:
- Que é isso, dona! Eu sou ladrão, não sou convidado. Se eu entro pela porta da frente não tenho moral pra voltar. Se nesse ofício eu preciso da ajuda da vovó é melhor eu aposentar.
Não quis ajuda da vovó mas vacilou. Estava tão acostumado com a rotina dos assaltos que, na última vez – quando a casa já estava praticamente depenada -, não percebeu os policiais de campana no fim da rua, alertados pelos vizinhos.
Na delegacia, tentou explicar:
- Fiquei com dó, doutor! Eu sou um ladrão fiel. Quem come a carne, rói os ossos. Se não tem mais nada pra levar, pelo menos eu faço companhia.
Para o delegado, a complacência da vítima tem uma explicação. Como, nas primeiras vezes, ela sofreu violência e intimidação, acabou adquirindo a chamada Síndrome de Estocolmo, ou seja, a relação de dependência com seu agressor transformou-se em simpatia.
Estocolmo ou São Paulo, o certo é que, tão logo terminou seu depoimento na delegacia, a simpática senhora, demonstrando um bom nível de conhecimento, prometeu contratar um advogado para libertar o meliante.
- Não quero outro bandido rondando o meu quintal – justificou ela mais tarde numa entrevista. Já me acostumei com o modus operandi do Jorginho. A gente se entende. Se eu peço para ele não levar meu andador, ele não leva. Aliás, como ninguém escapa dos ladrões neste país, seria melhor mesmo que cada brasileiro tivesse o seu, assim como tem seu instrutor, seu terapeuta. Uma espécie de personal assaltante. Tudo seria mais tranquilo, sem sobressalto. Você podia pedir um prazo, parcelar, volta mais tarde. A Petrobrás não foi sistematicamente assaltada pela mesma quadrilha durante anos e anos, sem o menor contratempo?
Dizem que o Governo ficou de estudar o assunto e poderá lançar brevemente um novo programa social. Tipo: o ladrão nosso de cada dia. Vai melhorar a redistribuição de renda.