Dinheiro

Podemos imaginar um mundo em que o dinheiro não se fazia necessário; e esse mundo já existiu. É só retornarmos aos primeiros passos do homem sobre a face da Terra. As necessidades básicas eram satisfeitas pelas benesses naturais existente à disposição de todos. Isto vai muito além da ocorrência dos primeiros humanos como os conhecemos hoje. Não havia a ideia de valor comum das coisas materiais; o que importava era a satisfação do ser, ou seja, tudo era dádiva, tudo era bem vindo, à medida em que preenchesse uma deficiência momentânea e contribuísse para o bem estar. Se este trouxesse felicidade, tanto melhor; seu usufruto perpetuar-se-ia, tornando indispensável o artigo. Mas como todas as coisas tendem à evolução e o homem não se satisfaz com o essencial, procurou-se e foi-se aquinhoado com nova forma de preenchimento do ego: o escambo. Este beneficiava mais uns do que outros, dado que cumpria o requisito básico, mesmo sendo simples meio de troca. Nada havia entre as permutas a não ser o interesse das partes. Não se levava em conta o valor da coisa, mas sua necessidade. Isto não fazia rivalidades, até certo ponto não gerava sentimentos que conduzissem aos conflitos. O de que um não fazia questão, enchia de desejo o coração do outro e assim concluía-se a transação. Vemos, nesta origem das ações comerciais, que não é o objeto em si o deflagrador de contendas, mas a natureza animalesca do próprio homem que não o permite contentar-se com a aquilo que já o faria feliz. Deve ter sido esse impulso que norteou a decisão de Dario I ao decretar, na Pérsia, a cunhagem de metal para fins comerciais cinco séculos antes de Cristo.

Não posso ver no dinheiro a salvação para a alma, da mesma forma que não posso atribuir à falta dele a decadência do homem. Uma coisa nada tem a ver com a outra. Se meu espirito está preenchido com as coisas que o dinheiro não compra, a posse das demais coisas advindas do dinheiro não tirará de mim o dom da felicidade, ainda que minha habitação se revista de ouro e prata. Se sou feliz pela abundância do dinheiro, porque seria infeliz quando de sua falta? Alguma lacuna carente de nosso espirito clama por satisfação, ao comparar com outras, mais galardoadas, a situação econômica e a projeção social. Não dormimos, não mantemos o mesmo apetite e nem a mesma fisionomia de sempre se as cifras bancárias costumeiras não se fizerem presentes. O nosso melhor amigo o deixa de ser momentaneamente. O latido do cão vizinho aumenta de intensidade e o paladar da comida incomoda o estômago. O que menos importa é o que nos fez felizes. Invejamos os passos mais firmes e confiantes dos que estão a nossa volta porque atribuímos a isso uma melhor condição financeira, uma mesa mais farta e uma família muito mais unida e harmonizada. Julgamos o mundo e a nós mesmos pelo que vai em nossos bolsos, como se o ontem e o amanhã tivessem sido tragados e esquecidos e não houvesse mais esperanças de salvação para uma alma tão empobrecida. Esses pesares, sopesados pela insistência da ilusão, impedindo um raciocínio lógico conduzir-nos-ão ao poço da infelicidade a não ser que pensamentos outros, suscitados por uma crença saudável, acorram em nosso auxílio.

Pode-se avaliar o caráter de uma pessoa pela forma com que ela encara o dinheiro. Toda a vida de um ser humano está programada para a incansável busca do sustento material e este será tanto mais garantido e compensador quanto maior for a decisão de se empenhar nessa busca. Um estômago bem forrado não carece de boas ideias e, do ponto de vista prático é tudo o que conta. Nossos deuses, invisíveis como a fome, não nos cobram tanta atenção; eles podem esperar. Mas as necessidades de alimentos e de enfeites parecem sempre mais urgentes do que a devoção espiritual e sempre assim será enquanto houver mundo. A saciedade e a fartura não impedem o homem de se associar à força superior, mas ele acha que sim, daí o aspecto da vida, pendente para o desequilíbrio nas áreas vitais. Em todas as atividades humanas, todas as conversas, desentendimentos, enfim, problemas que precisam ser resolvidos o dinheiro se faz presente; é o protagonista das altercações entre os homens. Surge como solução para todos os males, reata laços que pareciam perdidos porque foi capaz de aniquilar sentimentos dissimulados; somente a magia do capital consegue essa façanha de ordenar relacionamentos que pareciam destruídos, mas que, como o Fênix, acabam renascendo das cinzas, perpetuando o jogo, financeiramente falando. Havendo dinheiro, facilita-se a falta de sinceridade, admite-se a inocência e até compactua-se com o cinismo. Longe estamos de compreender o real significado de ter dinheiro como longe estamos de habitar num mundo em que os recursos naturais substituirão a ânsia da extração invasiva que não deixa chances de o planeta restabelecer-se de suas mazelas. Assim como o dinheiro corrompe se seu uso não estiver embasado na sabedoria o mesmo dar-se-á com a Terra quando esta não mais conseguir nos abastecer de dinheiro na forma de suas riquezas que há muito já deixaram de ser naturais.

A vantagem de se viver desapegado das coisas grosseiras supera infinitamente os prazeres materiais advindos do acúmulo de dinheiro. Ele não é chaga, não é coisa que deva ser amaldiçoada, pois que sua força se resume a nada, pelo simples fato de ser matéria e matéria não fazer parte da natureza intrínseca do ser humano. A felicidade do espirito satisfeito com sua razão de ser, consciente do valor da vida é, de longe, superior àquela em que o dinheiro é peça primordial. Este estado de felicidade destoa da satisfação consigo mesmo, independente da ascensão a que se conseguiu chegar por meio da aquisição de bens. Unir os dois tipos de felicidade, a espiritual e a financeira seria o estado ideal, embora não seja fácil a manutenção deste balanceamento na escola da vida. Há ricos providos de sensibilidade espiritual que fizeram a diferença no mundo, deixando atrás de si, rastros de sabedoria em como lidar com essas duas forças. A prova de que isto seja possível encontra-se no legado desses homens e mulheres que até hoje norteiam nossas ações. Alfred Nobel foi um exemplo nobre de dedicação à humanidade. A influência de Bertha Kinsky foi decisiva, ao lhe transmitir seus ideais pacifistas, o que contribuiu para a criação de uma fundação com o seu nome, que promovesse o bem-estar da Humanidade. O prêmio Nobel é um pequeno exemplo de como o dinheiro, utilizado por cabeças inteligentes, mas que têm por guia o coração, pode ser uma glória ao invés do que tem sido considerado pelos que nao possuem a correta visão espiritual.

Como tudo que é material está circunscrito pelo poder do dinheiro, a conclusão nos faz conotá-lo como sendo o simbolo da matéria. O desprendimento de tudo que é material lança o ser humano ao outro extremo, o que nao é sensato nem lúcido. Somos expressões de nossas próprias ideias, manifestando, em nossos atos, convicções que viemos adquirindo ao longo do tempo. Quanto ao dinheiro não é diferente. Projetamos nele nossa crença que acaba por se manifestar circunstancialmente em nossos projetos de vida, em nossos sonhos e ideais. O dinheiro também é espírito e sofre influência da mente como sofre influência das manipulações mundo afora. Retorna em forma de felicidade como em forma de tragédias. Possui os gumes da faca e o poder dualista da eletricidade, do fogo e de todos os elementos que podem enriquecer a vida ou acabar com ela. Mata-se e morre-se pelo dinheiro; pelo dinheiro impérios são construídos por um lado enquanto, por outro, pela fome e degradação, nações, não abençoadas por um meio ambiente generoso, entram em decadência até a ruína total. Nesse particular, a cor do sangue, a filiação divina, o humano, portador de espiritualidade e de um coração que também pulsa e sente, não podem ser levados em conta; esses detalhes são perda de tempo, são empecilhos intrometidos no caminho da industrialização.

As aspirações a um modo espiritualizado de vida não devem deixar de fora o bem estar que o dinheiro proporciona. A máquina industrial poderia fomentar, no homem ávido de projeção econômica, igualmente a sede por valores que transcendem a pura e simples aquisição de dinheiro. Visto que a morte é inevitável e imprevista, a caminhada rumo a um estado descontraído precisa fazer parte de toda e qualquer aspiração a fim de trazer o equilíbrio. Quando os homens que controlam o poder preencherem de ideias transparentes os rincões alcançados pelas manifestações de mídia; explicarem, em termos claros, exposições tais como ‘Deus seja louvado’ em notas de dinheiro e estabelecerem, nos locais de atividade profissional momentos de reflexão, programas de conscientização quanto às consequências deletérias do uso impróprio de riquezas teremos, acredito, menos chances de depauperação moral. No lugar onde se concentram pensamentos de nível elevado e incentivo a que outros se beneficiem dessa onda de paz que jamais pode ser encontrada na efemeridade material encontra-se a chave para a mudança. Forma-se aí um ambiente magnético advindo da reflexão nas coisas que realmente têm relevância.

Avalia-se comumente um homem pela quantidade de dinheiro que ele possui. Todos sabem quão errado é este tipo de conduta humana e não adianta querermos disfarçar esse ponto de vista; é isso mesmo o que acontece nas relações. Mesmo sabedores, contudo, da superficialidade contida neste procedimento, parece que a força da energia gerada por essa, digamos, superioridade financeira tira-nos a lucidez necessária a que tenhamos a avaliação correta. Homens influenciam outros homens por força da capacidade de comerem em um restaurante mais sofisticado, usarem as roupas de marca que sobressaem diante do padrão ordinário e frequentarem locais acima da condição dos humildes. Tudo isto passaria despercebido ou seria aceito com naturalidade se não fosse a índole humana tão facilmente aviltada pelo impacto das diferenças sociais. Tudo isso gera no espírito uma propensão ao atraso na escala evolutiva. Têm-se no dinheiro uma ferramenta inigualável de ascensão espiritual. Ele é, sim, um fator de felicidade e independência. Nossa mente foi projetada de forma tal que podemos mudar, com sua influência, o rumo de todas as coisas. A mesma crença capaz de transformar um condenado por doença fatal em um indivíduo saldável ou um potencial fracassado em vencedor, também funciona em relação à força que exerce o dinheiro. Dá-se a ele o poder de realizar aquilo que o conduziu a crença, ou seja, o bem ou o mal, em função do pensamento ou vibração que eu permiti que o impregnasse.

Os desejos de um homem, acalentados ao longo de sua dedicação em busca do dinheiro situam-se, de modo geral, na esfera do puramente egoístico; o que contam são suas vontades e suas ambições. A lide da existência, no lugar de endereçar o esforçado aos anseios da alma o levam, com frequência, a busca de posses. Essa generalidade faz do ser um escravo da matéria. Daí surgem todas as espécies de conflitos; conflitos esses dissociados do caminho traçado pela Grande Vida, que é o do contínuo crescimento espiritual. Não é que o dinheiro em si ou as vontades associadas a ele sejam a causa direta do desencaminhamento. O criador foi sábio em seu projeto de ordenação, ao dar à criatura as chances de sobrepujar a ilusão sem desconhecê-la. O prêmio maior está no controle dos instintos carnais inerentes à imposição do veículo material. A felicidade com ou sem abundâncias só é possível ao ser encarnado esclarecido. Ele não precisa sofrer por incontinências se sua conscientização se destacar das plêiades que se destacam por interesses próprios. Dinheiro pode ser arma ou instrumento de redenção.

Professor Edgard Santos
Enviado por Professor Edgard Santos em 10/06/2015
Reeditado em 10/06/2015
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