A latere 5
O Amor
Sempre que o tédio ameaça marcar-me os dias dou recreio ao pensamento. Liberto-o de contas e de tarefas com prazo marcado e vou, com ele, até ao fim do mundo, até ao início da minha história, até ao dia em que, com uma emoção única toquei de leve uma mão que tremia rasando a minha. Por muito que viva não esquecerei este abalo que mudou para sempre a minha vida. Escrevo, como todos já perceberam, sobre o amor. “Estavas, linda Inês, posta em sossego…”,recordo, e percebo-me no seu lugar quando penso no que foi cair o amor no marasmo do meu tempo. Luís de Camões sabia como pode alguém, verde ainda de vida e de experiência, suportar uma tão abissal mudança! Aprende-se tudo rapidamente, diria. E vi o meu futuro nos teus olhos, vi a minha força nos teus medos, vi a impossibilidade de voltar à calma dos momentos sem sentido que gastei para crescer. A seguir, muitas vezes ao imaginar-te, trotava o meu coração e empolgava-se o sexo no espartilho da ganga justa, ao gosto dos idos anos sessenta. Perdi-te. Perdi também a inocência e sei que todas as demais histórias seriam a repetição da nossa em outros corpos. “Não chores porque acabou, sorri porque aconteceu”, recomendou-me Gabriel García Marquez, mas era tarde para recuperar-me com a voz de John Lennon, os versos de Neruda ou a poesia de Fernando Pessoa. Fiquei preso desde então e adoraria poder dizer-te, como Óscar Wilde: “ Se não te atrasares muito, espero-te a vida toda”.