COMO ME TORNEI CANTADOR
Eu nunca pensei em viver de viola, de cantar repente, coisa que a minha família nunca adotou de maneira alguma. Lá pelos idos de 1974 comecei ouvir uma dupla de cantadores de Mossoró e senti vontade de fazer versos também. Eu tinha acabado de sair do exame de admissão na escola de padre Alípio, quando me veio a loucura de cantar repente e me tornar cantador contra a vontade da minha própria família. Era bastante estranho, eu cantar repente num meio em que o meu povo não sabia o que significava ser artista de espécie alguma. Contudo a minha vocação falava mais alto do que mesmo o interesse da minha família paterna, que sempre brotou contra o meu destino fadário. Em 73 comprei a primeira viola e passei a viajar, com muitos cantadores e até mesmo só. Quem menos falava da minha profissão de repentista era a tia Marica e a tia Josefa que pouco ligavam para tais coisas. Os meus primeiros versos foram cantados em Malhadinha, para os parentes e amigos.Foi ouvindo Elizeu Ventania e João Liberalino que fiquei louco pela arte da viola e da poesia oral. Entre o repente e a oralidade há pouca diferença porque ambos caminham juntos. Existe uma distância muito grande entre escrever e cantar repente ao som da viola. Quando a gente escreve a gente pensa mais e diz com mais arte com mais perfeição ou mesmo estética. O improviso é momentâneo é muito ligeiro e não dá tempo o poeta pensar e dizer com mais arte ou com muita clareza. Eu fui para a viola levando uma bagagem literária enorme, porque eu lia os grandes escritores desse Brasil e do mundo. Foi lendo a seleta clássica que descobri o gosto literário e comecei a fazer sonetos, poemas e artigos de qualquer assunto. No tratado de versificação de Olavo Bilac descobri, como metrificar os versos e ainda como montar o soneto. A seleta clássica deu tudo quanto eu queria e logo procurei a ler os maiores autores brasileiros e universais. Augusto dos Anjos deu-me o caminho do soneto como nenhum outro poeta. Foram meus mestres na forma poética: Augusto dos Anjos, Raimundo Correia, João da Cruz e Sousa, Joaquim Cesário Verde, Raul Brandão e maiormente o autêntico Fernando Pessoa. Como repentista nunca pude explorar o que realmente aprendi quando jovem porquanto a viola não permite o artista cantar de maneira erudita e sobretudo com filosofia. A viola é por natureza popular e não erudita como é a poesia clássica de Augusto dos Anjos, de Bilac de Castro Alves ou de outro gênio qualquer. Fui portanto um cantador frustrado que passou despercebido pelo público que ainda confunde rimar com poesia pura. Os meu ídolos na viola foram eles: Antônio Nunes de França, Juvenal Evangelista dos Santos, José Mota Pinheiro, e sobretudo o fantástico Otacílio Batista. Foi ouvindo estes grandes menestréis, que encetei a profissão do repente por volta de 1974. Logo troquei o banco escolar pela viola nordestina, passando a viajar, com muitos cantadores profissionais e recebendo muitos ensinamentos dos mesmos sobre, a arte do repente. Conheci quase toda região Jaguaribana cantando repente para toda gente humilde. Como cantador, eu soube respeitar o caboclo da enxada e cantar de maneira simples para ser bem entendido. Cantar repente num ambiente iletrado é muito complicado para o bom poeta fazer nome e muito menos ganhar dinheiro. Um dia virá em que o cantador terá mais aceitação e será talvez mais compreendido por quem ate hoje não entendeu a arte do repente. Muita gente acha que cantar repente é decorar um monte de canções dos outros e passar ser um profissional sem realmente criar algo superior. Contudo sou autor de mais de mil peças literárias além de muitos sonetos, poemas e motes. Ainda assim não me julgo altamente capacitado, como muita gente se julga famosa cantando o que realmente não é seu.
Autor: Antônio Agostinho