Domingo no parque
O garoto era muito esperto para a idade. Com apenas seis anos se mostrava espirituoso, captava tudo no ar e dava trabalho aos pais, que evitavam certos comentários em sua presença. A mãe, incomodada com a situação chegou a levá-lo a um especialista. “É um dom natural, não há motivos para preocupação” tranquilizou o médico. Por via das dúvidas a atenção era redobrada e os diálogos restritos ao cotidiano da casa, para evitar constrangimentos com estranhos. Mas naquele fim de semana a programação estava definida. O pai, taxista, trabalharia a noite toda e ficaria em casa descansando. Somente à tarde os apanharia no local combinado. Era domingo, fazia frio e o garoto cismou em não aceitar o passeio. Exigia que a mãe cumprisse com a promessa da semana passada. “Quero ir ao rodízio de pizza” dizia ele, bufando como touro bravo. A irmã menor o apoiava, para desespero da mãe que via seu tão esperado programa, adiado por diversas ocasiões, ir literalmente pelos ares. “Vai ter bastante gente lá”, tentava argumentar ela já antevendo a resposta na ponta da língua quando o pirralho empacava. “Na pizzaria também tem”. Foi preciso o pai convencer o menino, que não escondia sua contrariedade. Ficou acertado que depois do passeio, todos iriam saborear a tão desejada pizza.
Logo a mãe se arrependeria daquele programa dominical. Famílias inteiras chegavam ansiosas por desfrutarem da natureza generosa em forma de clorofila. No início o menino se distraiu com as novidades, mas não demorou muito para mostrar seu gênio difícil, principalmente quando se aproximavam de algum grupo de pessoas. “Mãe, o prefeito está doente?” soltou ele, com sua voz estridente. Diante da inusitada pergunta e dos olhares curiosos, a mãe hesitou e o garoto emendou: “Papai disse que ele está sofrendo de pressão política”. A mãe ficou sem ação por alguns instantes, no que o garoto completou: “É por isso que essas pessoas estão chorando?” Desconcertada com a espontaneidade da criança a mãe tratou de sair logo dali, com a intenção de mostrar o parque aos pequenos. E foi explicando que algumas pessoas estavam emocionadas pelo retorno da santinha ao seu local original, por conta das obras na gruta onde foi recolocada novamente.
Os pedidos por refrigerante, pipoca, doces e outras guloseimas fizeram a mãe exceder sua dose extra de paciência, naquele que prometia ser um dia todo especial. A companhia do pai seria oportuna, visto que o garoto a testava ao máximo para se assegurar até onde chegariam seus limites. “Quero ir ao banheiro” avisou ele, em tom de desespero. “Faz ali, atrás da árvore mesmo” respondeu impaciente a mãe, diante da fila interminável para utilização do sanitário. Mais uma vez, o menino radicalizou: “Só se ninguém olhar”, arrancando gargalhadas dos visitantes que em solidariedade, formaram um cordão de isolamento para que o pequeno se aliviasse.
O passeio pelo parque continuava e como a temperatura ficou agradável resolveram permanecer até mais tarde. O garoto não deixava passar nada em branco. Comentou que os bichos de concreto eram “sem sal”, melhor seria se transformados em bancos. Quase não se conteve quando a mãe o proibiu de alimentar os saguis. Mesmo com a temperatura amena insistia em molhar os pés nas águas do lago. Depois de um bom tempo, a disposição do garoto já não era mais a mesma. Agora não apresentava o deboche do início, típico de quando era contrariado, limitando-se a tecer alguns comentários dispersos. Era uma das táticas da mãe vencê-lo pelo cansaço. Isso quase sempre funcionava.
Mas eis que num descuido, aproximou-se de uma família e logo entabulou conversa. Contou que estava ali contra sua vontade, a mãe o deixara com fome, estava com os pés molhados e com frio e o pai ficara em casa dormindo. A mentira dessa vez foi longe demais, somente esclarecida quando a mãe apavorada com o sumiço do filho notou a presença de uma viatura policial e em seu interior um garotinho que reinava absoluto, falando pelos cotovelos. Prometendo não deixar o filho sozinho nem por um instante sequer, encerrou o passeio imediatamente. Na saída, a mãe se deu por vencida: “Melhor ir para a pizzaria” disse ela. “De táxi”, rematou imediatamente o encrenqueiro. E assim, com essa e outras divertidas histórias, a população teve a oportunidade de usufruir de um belo domingo ensolarado no parque público.