"ACORDAR SEM SONHO" Crônica de: Flávio Cavalcante
ACORDAR SEM SONHO
Crônica de:
Flávio Cavalcante
Estamos nos aproximando das festas juninas. Quem consegue lembrar daquela saudosa musiquinha “Cai, cai, balão, cai aqui na minha mão…” consegue com veemência saber da importância que em outrora essa época significava para muitos jovens senhores e senhoras da atualidade.
O que se diz de uma modernidade que grita ao quatro cantos do mundo que é promissora na vida de um cidadão e deleta de uma memória viva toda uma cultura que serviu de bagagem para muitos homens que hoje são cidadãos de bem? Não pode ir muito longe com esse pensamento retrógrado e sem conteúdo. A não ser que o intuito é fazer um berçário de asnos manipulados por uma massa degenerativa de vermes que carregam um desejo destrutivo em prol de seus benefícios próprios: Sanguessugas que plantam uma cartilha vinda de um vernáculo mesquinho, tirânico e vil afim de ludibriar cabeças inocentes que vendem por qualquer tostão e se contentam com tapinhas nas costas.
É estupefato o resultado que sai desses formandos da vida. A impressão que eu tenho é que pareço estar vivendo em outro lugar, em outro planeta por causa da mudança radical para o mundo pior em tão pouco tempo. Cadê aquele tempo em que nessa época do ano mulheres solteiras faziam promessas a Santo Antônio casamenteiro para conseguirem arrumar um casamento digno de uma donzela de família?
A tradição parece estar arfando na modernidade. Hoje em dia o que se ver em cada esquina são mulheres sedentas de sexo sem compromisso sob efeitos de álcool. Andarilhas que saem pelas noitadas em busca de homens momentâneos, para saciarem suas fomes. Parecem cadelas no cio que agem pelo instinto, esquecendo da responsabilidade e acabam parindo suas crias sem nenhum planejamento. Muitas não sabem que de fato é o pai de cada cria.
A fé que era forte e representava bem nas tardes uma procissão que mobilizava fiéis carregando a imagem do santo festejado em andor até a igreja matriz para a celebração da missa. Uma tradição que se repetia a cada ano. Tudo isso foi de ralo á baixo.
Lembro-me que nessa época o período de férias de junho, já era como um dispositivo embutido na mente das crianças que se aproximava um mês especial de muita alegria. Aliás, já se sentia um clima diferente no ar. A cidade era enfeitada com bandeirolas coloridas. As crianças aprendiam a fazer balões de páginas de revistas. Em casa, mamãe cuidava de comidas típicas feitas de milho. Meu pai, cuidava de fazer a fogueira na frente de casa. Começava a primeira noite da festa de Santo Antônio. Grupos de jovens dançavam quadrilhas sobre uma palhoça feita de palha de coqueiro e folhas de bananeiras. Ao som de uma sanfona, triangulo e zabumba, todos se divertiam com a matutada fazendo coreografias uniformes, banhados de muitos fogos de artifícios. Era um mês inteiro de férias para a criançada e muita alegria para a população. As pessoas se confraternizavam. Era comum ouvir um “Boa noite” dos vizinhos que ficavam horas nas calçadas contando piadas engraçadas e histórias de mal assombro. Tradição dessa época do mês.
Logo em seguida nos meados do mês, comemorava-se a festa de São João. Principal festa do ano. A fogueira nas portas era tradição. Todas as casas desfrutavam de suas fogueiras assando aquele delicioso milho. Na época existia o compadre e a comadre de fogueira. O batismo era cada um pular a fogueira. A partir dali era selado um compromisso de responsabilidade e respeito. A histórias de mal assombro eram contadas até o final das festas juninas. Quem consegue ver o céu estrelado enfeitado de balão? Não existia a proibição e não se ouvia falar em acidente por causa da tradição e dos artefatos soltos ao vento.
O final das festas juninas era terminado com toda alegria. Também acompanhado de fogueira e forró. Na quadrilha tinha o encerramento com o casamento dos noivos. A cidade virava um palco de comédia. Pouco antes de começar a grande festa na palhoça, os noivos subiam numa carroça. O burro que conduzia os apaixonados, também entrava no clima, todo enfeitado de matuto. Maquiagem, chapéu de palha e outros adereços. A passeata chamava a atenção de todos. Carroça na frente com as personagens centrais e todo a quadrilha acompanhando atrás com muita dança acompanhado do som da sanfona. Era de arrepiar o final da festa de São Pedro. A saudade já batia antes de terminar, sabendo que só depois de um ano para começar toda alegria novamente.
Assim era a nossa festa junina. Não precisava muito pra sermos felizes. Onde está essa alegria de outrora que fazia para parte de nossas vidas? Será que essa modernidade, essa era digital que facilita tanto a vida das pessoas, veio realmente pra contribuir para um futuro melhor? Hoje em dia as pessoas não se confraternizam mais. As festas juninas ficaram na lembrança daqueles que foram contemplados de viver o que acabei de escrever nessa nota. A alegria das festas juninas foi trocada pela modernidade da insegurança, da incerteza do ir e vir. As festas juninas se resumem em cada macaco no seu galho, literalmente dentro de jaulas, lamentavelmente.
Se sonhar e ter a certeza de viver, acordar sem sonho é não saber o prazer do que é viver.
Flávio Cavalcante