Recomeços
Tenho pensado nos meus recomeços.
Foram tantos!
Alguns deles socialmente reprovados e até criticados.
Nunca me importei com críticas, especialmente nas que diziam respeito às minhas escolhas pessoais.
Alguns recomeços não foram desejados, aconteceram simplesmente.
O primeiro deles foi quando optei por um tipo de educação. Escolhi como desejaria trabalhar com os jovens: saí de uma escola muito tradicionalista e fui ministrar aulas em outra, onde encontraria mais espaço e liberdade.
A minha separação, a mudança de cidade. Estas também foram escolhas pessoais e muito difíceis, dolorosas.
Não fui aceita e muito menos compreendida socialmente.
Sofri muito, mas era tanto trabalho para manter-me e à minha filha, que quase não sofri as perdas nesse momento.
Foram perdas necessárias para o meu crescimento pessoal e da minha filha também.
Comprei a briga e deu certo.
Afinal sobrevivemos.
O outro recomeço foi uma perda dolorosa, não escolhida: perdi a visão do olho esquerdo por não ter recursos para uma cirurgia.
Essa doeu, mas passou.
Afinal tenho mais um olho e segui meu caminho enxergando, não sem sofrimento, com apenas um olho.
Ganhei e perdi amores na caminhada.
Hoje acho que me enriqueceram, no momento adequado. Chegaram à minha vida e saíram, sem deixar mágoas ou dor.
Em todos eles recomecei, evidentemente.
Por que a gente sempre começa uma relação apostando que vai dar certo ou que encontrou alguém com quem compartilhar tudo.
A saída da escola, em demissão, por que a mesma fechava as portas por incompetência gerencial dos proprietários foi uma das maiores perdas.
Meus sonhos vieram abaixo.
Toda a construção pedagógica, projetos, falsos amigos vieram à tona.
Foi horrível e ainda carrego marcas disso no coração.
Recomecei numa outra cidade, com um novo parceiro.
Construí um canil (sempre adorei cães), mas não deu. Tive problemas sérios no outro olho, que enxergava.
Minha filha formou-se na PUC Minas. Foi uma vitória, pois sempre assumi integralmente a responsabilidade da sua sobrevivência e estudos.
Agradeci a Jesus de joelhos.
Não pude participar da sua formatura (meu grande sonho) por ter operado o outro olho: era grave e poderia chegar à cegueira total.
Resultado: depressão.
Minha filha foi estudar na Europa, com a minha pouca ajuda e de uma professora sua.
Ralou muito para conseguir a defesa de mestrado. Foi uma guerreira.
Recomecei novamente com a sua partida além mar, mas era necessário e principalmente o que ela queria.
Perdi o canil por minha incompetência gerencial: tinha uma sócia que usou de desonestidade e eu estava muito frágil, operada e sofrendo muito.
A relação amorosa terminou, inevitavelmente.
Recomecei quando fui convidada a participar da administração municipal da pequena cidadezinha onde morava.
Foi um tempo relativamente bom.
Consegui realizar sonhos, projetos sociais, ajudar as pessoas.
Mas o prefeito não pensava da mesma forma que eu, e afinal ele era o prefeito. Saí da administração.
Vivi na seqüência outro relacionamento que também me frustrou.
Pensei que era e não era.
Voltei para minha terra natal por que minha filha voltava da Europa e poderíamos nos curtir.
Planejei com ela um espaço bem bonitinho, que nos agradasse.
Fomos felizes morando novamente juntas.
Foi um novo recomeço, de muito amor, cuidado e como sempre de cumplicidade entre nós.
Durou pouco, apenas 15 meses.
Ela partiu.
Seu coraçãozinho parou, sem razão nem explicação e também sem dor, segundo os médicos.
Agora, ai agora, ai de mim!
Como recomeçar?
Onde?
Para que?
Amanheço e anoiteço.
Desejo a morte, mas não tenho domínio sobre isso.
Recomeço num outro espaço, sob os cuidados da minha irmã, sobrinhos e cunhado.
Recebo o afeto da minha única e melhor amiga, a Liloca.
Nada vejo à minha frente.
Sinto-me só dentro do desconforto do não sonho
Estou só, apenas disso tenho certeza.
Recomeço?