Brava gente brasileira
Ela veio num relance e não houve tempo para reação. O impacto foi inevitável e destruiu o limpador do para-brisa. Ainda consegui observar o veiculo, que passou em alta velocidade e logo desapareceu. Somente na base rodoviária constatei a dimensão dos estragos e o objeto causador. Era uma enorme sacola plástica, recheada com todo tipo de lixo. Foi atirada, sem constrangimento algum, pela passageira de uma caminhonete importada. Ao ser informado da situação, o condutor, exaltado pela abordagem policial, soltou o conhecido “você sabe com quem está falando?”. Ao patrulheiro impassível, apresentou uma cédula de identidade funcional, em que se destacava a insígnia da república. “Sou filho do diretor de uma estatal em Brasília”, dizia ele, do alto de sua prepotência. No veículo viajavam mais um adulto e duas crianças pequenas. A autora da façanha sequer se interessou em participar do diálogo. Ao ser instada sobre o fato, negou veementemente em tom de ironia e mostrando seu total desprezo com a situação, desafiou-me a provar a acusação, sob ameaças de processo na justiça.
Como a mentira tem pernas curtas, na sacola plástica estavam, além do lixo diversificado produzido pelos valorosos defensores do meio ambiente, quatro fraldas de algodão, bordadas com o nome das crianças que ocupavam o banco traseiro do veículo. Mesmo diante das evidências, a mãe desfiou um sem-número de impropérios, evidenciando sua esmerada educação e excepcional formação moral, totalmente condizente com sua pretensa e autointitulada influência. Já o condutor, num gesto áspero, demonstrando uma preocupação ímpar com o patrimônio e a integridade física alheias, atirou algumas cédulas sobre o capô dizendo que “pobre tem que viver de esmolas”.
Foi um exercício imenso de autocontrole e civilidade de minha parte. Porém, o bom senso prevaleceu quando decidi encerrar aquela situação deprimente. Mesmo porque as consequências daquele ato insensato foram, felizmente, mínimas. Poderia ter sido bem pior. Mas o que ficou explícito é a conduta de determinadas pessoas, com as quais somos obrigados a conviver, em nosso dia a dia. A condição socioeconômica do indivíduo, definitivamente, não o capacita a agir de maneira a colocar seu interlocutor em situação de subserviência, sob quaisquer aspectos.
A famigerada “carteirada” é uma prática frequente em nosso cotidiano. Nesse caso específico, a sensação de poder e impunidade amparou-se no grau de parentesco e na relevância do cargo ocupado. E reforça a tese daquele notório jogador da década de setenta, tricampeão mundial de futebol, que apregoava um equivocado conceito de moralidade, instigando o brasileiro a levar vantagem em tudo. Pelo visto, aquela campanha publicitária não só marcou de forma negativa a imagem do atleta, como também contribui para a criação e a divulgação de uma mentalidade, nesse país, que propõe uma postura totalmente reprovável, sob o ponto de vista ético e moral. Os conceitos de honestidade, decoro e lisura costumam passar distante de certos indivíduos – a minoria, felizmente – e não há evidências que essa prática esteja em declínio. Constata-se facilmente ainda, que esse comportamento não distingue seus usuários por classe social, etnia ou convicções religiosas.
Na legislação brasileira, todos são considerados iguais perante a lei. Ou pelo menos, deveriam ser. O Artigo 5º da Constituição Federal garante igualdade para todos. Porém, o que se verifica é que algumas pessoas se consideram “mais iguais” que as outras. E abusam dessa condição de forma coercitiva, a fim de intimidar aqueles que porventura cruzem seu caminho. O fato relatado é apenas um exemplo de como alguns brasileiros costumam ser bravos e totalmente desprovidos de moral e ética, vez em quando. E essa gente varonil deveria agir assim também quando lhes são infligidos aumentos abusivos de preços em todos os setores; ou diante da corrupção generalizada que permeia as instituições, ou ainda, quando seus direitos mais elementares são ignorados. Ou talvez, no momento em que são chamados à responsabilidade para proceder com cidadania. Fosse assim, essa nação pujante, trabalhadora e supostamente feliz, seria muito mais respeitada. Mas ainda há tempo para se mudar essa propensão. É só começar, sendo ético em cada atitude da vida, procurando sempre dar o exemplo. Desde que não seja como o daquele bravo candango brasiliense. O da caminhonete importada.