Histórias e olhares

Quando fui convidada para visitar e contar histórias no Centro Socioeducativo de Menores Infratores de Ipatinga, confesso, fiquei receosa. O que será que encontraria lá? Como seriam os olhares dirigidos a mim? Quais seriam os perfis daqueles garotos? Eu teria que temer algo?

Eram muitas questões sem respostas. Apenas a fala e as sensações da minha companheira que foi na frente, antes de nós, contar histórias para aqueles meninos e tentar encantá-los.

O que ela nos disse foi que chegou em casa, meteu-se sob as cobertas e ficou paradinha, quietinha, sem saber o que estava sentindo ou pensando sobre aquela experiência tão nova em sua vida já vivida de tantos acontecimentos variados.

Pois bem! Encarei o desafio e preparei-me para contar uma história divertida, que os faria rir um pouco, apesar dos pesares, apesar do lugar, apesar de tudo! Escolhi uma história do Pedro Malasartes, personagem anti-herói do nosso folclore. Fiquei insegura, pois queria ser fiel à história, sem mudar palavra alguma. O problema é que a história é toda contada em versos rimados!

No dia, passei a manhã falando, andando de um lado para o outro pela sala, toda a história, olhando diversas vezes para o papel para conseguir decorar tudinho, certinho!

Chegou a hora. Pus minha roupa de palhaço. Fiz a maquiagem característica. Estava pronta, esperando minha colega de aventura. Ela chegou, também vestida de palhaço. Respirei fundo e entrei no carro. Fomos com a ansiedade de primeira vez.

Chegamos e, logo depois, nossos outros dois companheiros também chegaram, um contador de histórias e uma escritora. Os dois, nossos amigos.

A sala já estava preparada com cadeiras (para os agentes socioeducativos). Espalhamos toalhas, quatro, no chão e despejamos dezenas de livros sobre elas. Preparamos, também, pacotinhos com balas e Bis para distribuir a eles.

Pronto. Eles foram chegando. Um por um, entravam pela porta, vinham até nós, apertavam nossas mãos e nos desejavam boa-tarde. Primeiro encanto! Educados, simpáticos, sorridentes, bonitos!!!! Fiquei olhando, reparando mesmo cada um. Quanto menino bonito! E estavam ali, sendo privados de sua liberdade; por quê?

A tarde correu cada minuto mais animada, alegre, com histórias encantando tanto aqueles adolescentes quanto nos encantando com esse envolvimento. Encantou-me o gesto de cumprimento deles, a educação aprendida ali, a forma como se sentaram nas toalhas e manusearam os livros e os bichinhos de pelúcia espalhados para eles. Encantou-nos a forma como se deliciaram com os doces que ganharam. “Nó, tia! Tem um tempão que não chupo bala!” Escutei de um logo na entrada quando entreguei seu pacotinho. Encantei-me tanto, que a história de Malasartes foi contada com uma tranquilidade e firmeza que até versos com rima eu criava quando não me lembrava dos constantes no livro.

Terminamos nossa tarde, carregando para casa uma bagagem imensa. No caminho para casa, ainda vestida de palhaço, não contive, chorei, chorei muito, sem saber ao certo qual sentimento me tomava no momento. Era simplesmente um misto de sensações diversas que enchiam meu ser. Angústia, tristeza, alegria, gratidão a Deus por ter me dado a chance de vivenciar essa experiência, vontade de mais, de fazer muito mais por aqueles meninos grandes, que perderam sua infância em algum momento, por motivos diversos, alheios à sua vontade, talvez.

Seus olhares me surpreenderam, seus gestos me encantaram, os abraços recebidos, os agradecimentos ao final e o pedido insistente para voltarmos no próximo mês com mais histórias. Se valeu a pena? Pergunte-me. Quero mais. Respondo com a mais absoluta certeza!