Despedida
E, de repente, em meio a um momento de imensa paz, em que parecíamos deslizar como cisnes em águas límpidas e rasas de um lago, inesperada e impetuosamente e gerando um turbilhão de ondas que varrem as margens de minha existência, você partiu, sem se despedir. Foi triste...
A princípio senti-me como que meio traído, pois julgava que para um amor assim tão intenso fosse necessária uma despedida formal, com abraços, beijos, algumas lágrimas e juras de amor eterno. Com o tempo, vai-se vendo que não poderia ser diferente, pois se você me avisasse que já estava indo, eu pediria, imploraria para que não fosse, que me deixasse ir junto, eu até lhe ordenaria que ficasse e que eu fosse em seu lugar.
Até mesmo pensei que houve um equívoco dos desígnios do céu, e pedi a Deus que me permitisse ir em seu lugar, já vivi bastante, estou velho, já vi tudo que a vida tinha a me mostrar e que você teria muito mais tempo para realizar os sonhos que sonhou, que sonhamos juntos, e que eu já não sonho mais.
Para todos, você seria muito mais útil se ficasse e continuasse distribuindo amor, alegrias e felicidades, com esse seu jeitinho gaiato de ser, mas desde que você não chorasse e sofresse com a minha partida – você bem sabe que eu não resisto vê-la triste e, o que é pior, você ficava bem feinha quando chorava fazendo manha, com aquele bicão enorme que desaparecia como que por encanto quando eu lhe mostrava no espelho. E você sabe muito bem que eu choraria junto com você, como chorei todas as vezes que você teve motivo para chorar, até mesmo nas vezes em que você se emocionava vendo filmes na televisão – coisas de um velho chorão.
Talvez a melhor solução fosse irmos juntos, como bons companheiros que sempre fomos, pois até nos divertiríamos nesta nova caminhada, descobrindo juntos novas sensações. E mesmo sabendo que para onde você foi não existem perigos, seria um bom pretexto eu estar ao seu lado, para protegê-la e, quando você se sentisse cansada, eu poderia levá-la no colo e até na garupa, de cavalinho, como fazíamos todas as vezes que saímos para caminhar
É certo que você me avisou que já estava partindo, porém de uma forma muito sutil, que não consegui entender naqueles momentos. Julguei que era porque você já estava ficando mocinha e que não queria deixar de ser criança, que todas as noites você voltasse a vir de madrugada para a minha cama, reclamando de dor de cabeça, o que eu julgava um pretexto para dormir abraçadinha comigo, pedindo “papá, bati bum-bum” . Em outras noites, acordei ao sentir a sua presença deitada ao pé da cama, encolhidinha de frio, sem querer nos acordar, ao que eu, com um sorriso e um beijo, a chamava para vir para junto de mim, sob as cobertas.
Julgamos até que sua dor de cabeça fosse decorrente de problema de vista, como sua professora alertara, mas que achávamos que era por causa da franja de seus cabelos, sempre caindo sobre os olhos. E a levamos ao médico, a princípio sob seus protestos – você até chorou por não querer usar óculos e pediu para que então comprássemos lentes de contato – mas, afinal, você ficou frustrada quando soube que não precisaria deles, pois já tinha escolhido um modelo de óculos que a deixava igual à Dorothy da novela “A indomada”, pedindo então que os comprássemos com lentes comuns, sem grau, e que a deixava linda (e, tenho que confessar, era verdade).
E também não percebemos as mensagens subentendidas que você vinha escrevendo nas redações e cartinhas em nossos aniversários e dias dos pais, sempre com alguma anotação atípica e que somente agora se revestem de significado: “meus beijinhos irão te guiar / eu te guiarei / não ponha nenhum fermento de egoísmo nem de tristeza / uma missão impossível: esquecer você...”
Ah, e teve também a festa junina de seu colégio, em que você era a mais alegre de todos, dançando sem parar, com uma felicidade contagiante e sempre acenando como se estivesse dando adeus, despedindo-se. Pareceu-nos estranho, mas não conseguimos entender o significado, à época. E, sem qualquer motivo, você chorou triste quando voltou de seu último acantonamento com a sua alcatéia, e que tinha sido “o melhor possível”. Mas você era mesmo assim, imprevisível, minha namorada, às vezes chorando bem de mansinho, sem ninguém saber porquê.
A última noite que passamos juntos foi estranha, você estava agitada, brincando no chão da sala, ora enrolando-se no tapete, ora deslizando com ele como se fosse o tapete mágico de Aladim, voando para todos os cantos. E via-se em seu rosto não a expressão normal de felicidade que você sempre irradiava, mas uma certa apreensão, um ar de expectativa.
E houve até um telefonema que não foi dado, no dia seguinte, para lhe transmitir o que seria o último beijo de boa noite, pois já estava tarde e não quis ligar. De qualquer forma, ainda sinto na face os três últimos beijos que você me deu quando a encontrei na praça, abraçando-me apertado e dizendo-me que eu sou o melhor pai do mundo e agradecida porque deixei que você dormisse na casa de sua amiguinha. Não a levei a sério porque você era assim mesmo, interesseira.
As duas imagens seguintes são tristes e integram minhas noites de insônia, dos pesadelos que me acordam sobressaltado no meio das noites, suando frio e chorando: vejo-a em meu colo, abraçado ao seu corpinho inerte, reprodução tupiniquim da Pietá e, estranho, sou um espectador da cena, não protagonista. Na última, apesar de pungente, a paz e serenidade que irradiam de seu rosto onde deposito meu último beijo e umedeço com as minhas mais sofridas lágrimas, dão-me a certeza de que onde quer que você esteja, você continua alegre, feliz, amada, gaiata, marota, carinhosa, vaidosa e charmosa, pois esse é o seu jeitinho todo especial de ser e que nunca mudará e como sempre será lembrada.
E creio que, de propósito, você deixou em sua gaveta este cartãozinho separado de sua coleção, para que o encontrássemos e meditássemos sobre tudo, com a certeza de que nos guiará, junto com os seus beijinhos e balõezinhos, até o nosso reencontro: Uma missão impossível... Esquecer você!
E, de repente, em meio a um momento de imensa paz, em que parecíamos deslizar como cisnes em águas límpidas e rasas de um lago, inesperada e impetuosamente e gerando um turbilhão de ondas que varrem as margens de minha existência, você partiu, sem se despedir. Foi triste...
A princípio senti-me como que meio traído, pois julgava que para um amor assim tão intenso fosse necessária uma despedida formal, com abraços, beijos, algumas lágrimas e juras de amor eterno. Com o tempo, vai-se vendo que não poderia ser diferente, pois se você me avisasse que já estava indo, eu pediria, imploraria para que não fosse, que me deixasse ir junto, eu até lhe ordenaria que ficasse e que eu fosse em seu lugar.
Até mesmo pensei que houve um equívoco dos desígnios do céu, e pedi a Deus que me permitisse ir em seu lugar, já vivi bastante, estou velho, já vi tudo que a vida tinha a me mostrar e que você teria muito mais tempo para realizar os sonhos que sonhou, que sonhamos juntos, e que eu já não sonho mais.
Para todos, você seria muito mais útil se ficasse e continuasse distribuindo amor, alegrias e felicidades, com esse seu jeitinho gaiato de ser, mas desde que você não chorasse e sofresse com a minha partida – você bem sabe que eu não resisto vê-la triste e, o que é pior, você ficava bem feinha quando chorava fazendo manha, com aquele bicão enorme que desaparecia como que por encanto quando eu lhe mostrava no espelho. E você sabe muito bem que eu choraria junto com você, como chorei todas as vezes que você teve motivo para chorar, até mesmo nas vezes em que você se emocionava vendo filmes na televisão – coisas de um velho chorão.
Talvez a melhor solução fosse irmos juntos, como bons companheiros que sempre fomos, pois até nos divertiríamos nesta nova caminhada, descobrindo juntos novas sensações. E mesmo sabendo que para onde você foi não existem perigos, seria um bom pretexto eu estar ao seu lado, para protegê-la e, quando você se sentisse cansada, eu poderia levá-la no colo e até na garupa, de cavalinho, como fazíamos todas as vezes que saímos para caminhar
É certo que você me avisou que já estava partindo, porém de uma forma muito sutil, que não consegui entender naqueles momentos. Julguei que era porque você já estava ficando mocinha e que não queria deixar de ser criança, que todas as noites você voltasse a vir de madrugada para a minha cama, reclamando de dor de cabeça, o que eu julgava um pretexto para dormir abraçadinha comigo, pedindo “papá, bati bum-bum” . Em outras noites, acordei ao sentir a sua presença deitada ao pé da cama, encolhidinha de frio, sem querer nos acordar, ao que eu, com um sorriso e um beijo, a chamava para vir para junto de mim, sob as cobertas.
Julgamos até que sua dor de cabeça fosse decorrente de problema de vista, como sua professora alertara, mas que achávamos que era por causa da franja de seus cabelos, sempre caindo sobre os olhos. E a levamos ao médico, a princípio sob seus protestos – você até chorou por não querer usar óculos e pediu para que então comprássemos lentes de contato – mas, afinal, você ficou frustrada quando soube que não precisaria deles, pois já tinha escolhido um modelo de óculos que a deixava igual à Dorothy da novela “A indomada”, pedindo então que os comprássemos com lentes comuns, sem grau, e que a deixava linda (e, tenho que confessar, era verdade).
E também não percebemos as mensagens subentendidas que você vinha escrevendo nas redações e cartinhas em nossos aniversários e dias dos pais, sempre com alguma anotação atípica e que somente agora se revestem de significado: “meus beijinhos irão te guiar / eu te guiarei / não ponha nenhum fermento de egoísmo nem de tristeza / uma missão impossível: esquecer você...”
Ah, e teve também a festa junina de seu colégio, em que você era a mais alegre de todos, dançando sem parar, com uma felicidade contagiante e sempre acenando como se estivesse dando adeus, despedindo-se. Pareceu-nos estranho, mas não conseguimos entender o significado, à época. E, sem qualquer motivo, você chorou triste quando voltou de seu último acantonamento com a sua alcatéia, e que tinha sido “o melhor possível”. Mas você era mesmo assim, imprevisível, minha namorada, às vezes chorando bem de mansinho, sem ninguém saber porquê.
A última noite que passamos juntos foi estranha, você estava agitada, brincando no chão da sala, ora enrolando-se no tapete, ora deslizando com ele como se fosse o tapete mágico de Aladim, voando para todos os cantos. E via-se em seu rosto não a expressão normal de felicidade que você sempre irradiava, mas uma certa apreensão, um ar de expectativa.
E houve até um telefonema que não foi dado, no dia seguinte, para lhe transmitir o que seria o último beijo de boa noite, pois já estava tarde e não quis ligar. De qualquer forma, ainda sinto na face os três últimos beijos que você me deu quando a encontrei na praça, abraçando-me apertado e dizendo-me que eu sou o melhor pai do mundo e agradecida porque deixei que você dormisse na casa de sua amiguinha. Não a levei a sério porque você era assim mesmo, interesseira.
As duas imagens seguintes são tristes e integram minhas noites de insônia, dos pesadelos que me acordam sobressaltado no meio das noites, suando frio e chorando: vejo-a em meu colo, abraçado ao seu corpinho inerte, reprodução tupiniquim da Pietá e, estranho, sou um espectador da cena, não protagonista. Na última, apesar de pungente, a paz e serenidade que irradiam de seu rosto onde deposito meu último beijo e umedeço com as minhas mais sofridas lágrimas, dão-me a certeza de que onde quer que você esteja, você continua alegre, feliz, amada, gaiata, marota, carinhosa, vaidosa e charmosa, pois esse é o seu jeitinho todo especial de ser e que nunca mudará e como sempre será lembrada.
E creio que, de propósito, você deixou em sua gaveta este cartãozinho separado de sua coleção, para que o encontrássemos e meditássemos sobre tudo, com a certeza de que nos guiará, junto com os seus beijinhos e balõezinhos, até o nosso reencontro: Uma missão impossível... Esquecer você!