Bruxinha escambalhosa


Ontem, conversando com os meus botões, perguntei-me o que foi, afinal, que você fez para que eu a amasse tanto, que a visse assim de forma tão especial, já que em toda a sua vida, em todas as ocasiões, o que você mais fez foi “escambalhar” comigo, com as minhas coisas, expressão que você usava, ao invés de esculhambar.

Do jeito que tudo sempre aconteceu e olhando agora para as suas predileções por Halloween, cristais, gnomos e magia, e sendo fã número 1 da Wandinha Adams, concluo que, em realidade, você era uma bruxinha disfarçada e, o que é pior, que me enfeitiçou.

Procurei explicações no Aurélio e lá está bem escrito, com todas as letras: bruxa – mulher que faz bruxarias; feiticeira, maga, mágica – condição em que você se enquadra perfeitamente, sendo que a continuidade da definição, tenho que admitir, contraria a minha dedução inicial, já que não consigo vê-la como mulher feia e/ou rabugenta, bruaca, canhão, carcaça, coruja, cuca, jabiraca, medusa, megera, muxiba, seresma, serpe, serpente, urucaca ou xaveco.

Talvez, até mesmo a imagem que sempre tive de você fosse fruto de suas feitiçarias, quem sabe através de alguma poção mágica que fez com que meus olhos sempre a vissem linda, meiga, carinhosa, caridosa, amiga, charmosa, feliz, radiante, sonhadora, mas, tenho que frisar, apesar de tudo...

Comecei a enumerar as minhas razões para amá-la tanto e conclui que realmente fui enfeitiçado por você e, o que é pior, desde o primeiro momento em que nos vimos, acho que por telepatia ou hipnose, definitiva e irremediavelmente. Somente assim posso explicar como, já em seus primeiros aninhos de vida, você impediu-me de dar vazão a minha veia musical e continuasse com o que poderia vir a ser uma brilhante carreira com o meu sax, fazendo beicinho e chorando todas as vezes que eu começasse a tocar os primeiros acordes.

Ainda não satisfeita, por pura maldade, inibiu a minha carreira de cantor, dizendo-me que eu não era nenhum Pavarotti e que só sabia músicas “caretas”, impedindo-me de cantar, durante as nossas viagens, as canções que aprendi em toda a minha vida, o que me deixava profundamente frustrado, pois pensava cantá-las para você, para seduzi-la e ganhar mais um beijo carinhoso.

E por falar em beijos, como explicar senão por enfeitiçamento que você me torturava a cada vez que eu os pedia, negando-os e fazendo o maior charme, ou então dando-os rapidamente e sem gosto? Há, há, e, mais ainda, como explicar que você reclamava que os meus eram babados, e eu ainda continuar implorando pelos seus e me humilhando, a todo momento? Puro encantamento, só pode ser, tenho certeza.

E disto tudo você nem mesmo fazia segredo, contando para as suas amigas a minha fraqueza e debochando de mim, dizendo-lhes que você podia fazer de mim gato e sapato, pois eu a amava, disto eu nunca esqueci. E, literalmente, você “escambalhava” comigo, com o meu amor próprio, chamando-me de gordinho, de careca e até de barrigudo, sendo que só para amenizar meu sofrimento com tamanha desfaçatez, sempre complementava com um “querido” – isto fazia parte de seu encanto.

E você fazia questão de pisar na minha vaidade, comentando com a sua mãe que eu ficava muito metido com os óculos escuros novos, achando que ficava parecido com o Brad Pitt, mas que estava muito enganado, o que fez com que nunca mais os usasse. E novamente me “escambalhava” dizendo que eu era careca mas não tinha o charme do Sean Conery, só para me ver fingindo de triste dizendo: magoei.

Como explicar, senão por puro e profundo encantamento, que eu sofria vendo-a sentada no colo de seu mano, abraçadinha e até de rosto colado, chamando-o carinhosamente de querido, cobrindo-o de carinhos e beijos e olhando com rabo de olho para mim e, para tripudiar, ainda me perguntava com a cara mais lambida desse mundo: está com ciúme, nego? E eu, bobo, ainda confessava que sim, para me contentar com um pouco de seus carinhos; diga-me se isso não é feitiçaria pura.

E o que dizer dos sustos que você insistia em me dar, quando estava distraído ao computador, chegando devagarinho por trás de mim e gritando “boo” e que quase me faziam cair da cadeira e enfartar, hem, hem? Me diz se isto não é coisa de bruxa! E esconder a minha agenda, jogar minhas carteiras de cigarros e isqueiros fora, pela janela do carro, e desarrumar a minha oficina, sem que eu tivesse o direito de reclamar, enfeitiçado por você e ainda gostando, como se fosse masoquista.

Eu até já estava desconfiado, pois por diversas vezes a peguei falando em uma língua esquisita: “cuméqui, porquequi, praquequi, conquenqui”, sem utilizar verbos e querendo dizer como é que ..., por que que ..., para que que .... e com quem que ... e ainda querendo que eu a entendesse; isto sem falar que você vivia formando frases com as palavras de trás para frente e a uma velocidade que não me permitia sequer tentar compreendê-la e ainda ficava rindo e zombando de mim, pela minha santa ignorância. Isto é ou não é coisa de uma bruxinha malvada?
E, de repente, como em um passe de mágica, você saiu de minha vida, deixando-me aqui sozinho, os dias iguais, monótonos, sem novidades. E por estar ainda sob os efeitos de sua magia, sofro por não mais ter seus carinhos, seus beijos, seu sorriso, seus sustos; e até estou fumando mais do que antes, por já não ter quem jogue fora os meus cigarros e isqueiros. Sem você, tudo ficou sem encanto.

E o pior, minha bruxinha querida, é que você se foi sem me ensinar como faço para me livrar deste encantamento que me acompanhará pelo resto de meus dias – até em sua agenda já procurei e não encontrei a fórmula da poção mágica que me liberte dos encantos desta Bruxinha “Escambalhosa”, que me deixou aqui sozinho, morrendo de saudade de suas “escambalhações”.
LHMignone
Enviado por LHMignone em 22/09/2005
Reeditado em 05/10/2013
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