ESPELHO

Espelho? Não, não possuo o hábito de usá-lo, exceto para escovar os dentes. Nem mesmo para pentear o cabelo que é curto o suficiente para que eu o ignore. Mas hoje decidi olhar meu rosto e ver o que o ele reflete.

Olho-o detidamente. Me sinto jovem ainda, mas não sou mais. Parece que foi ontem que eu corria em volta da casa com meus primos, brincava de bonecas com minha prima, dormia deitada no colo de meu pai, pulava no meu irmão ao vê-lo chegar em casa. Mas o rosto desmente esse tempo que sinto. Não, passou-se muito tempo. Rugas, manchas, o grisalho dos cabelos, as pálpebras caídas. Tudo isso mostra a vida que foi vivida intensamente. A alegria era, e ainda é, o que me fazia gritar, rir, pular; a tristeza sempre me fez senti-la de forma muito profunda. Amor? Poucos afetos. Até hoje não consigo definir o que é amor fora dos meus portões.

Agora sou adolescente. Rebelde, contestadora, de fortes opiniões, teimosa. Jeans surrados, tênis, camisas e o eterno agasalho de lã vinho. O cabelo despenteado e encacheado. Perder de ano sempre. Ler muito, ouvir muitas músicas, sentar-me em meio a outros adolescentes também rebeldes. Um vazio interior que me acompanhava desde sempre. Onde estão as marcas em meu rosto que mostram esse período? Os olhos. Eles continuam os mesmos, pintados de negro, profundos, intimidadores. Hoje as pálpebras estão caídas. Ótimo, gasto menos lápis para pintá-las.

O casamento. Ah, como eu detestei aquele dia! Odeio ter me sentido, um dia, o destaque de uma escola de samba. Todos me olhando. Justo eu, que odeio ser notada. Mas ele quis e eu sempre fiz de tudo para agradá-lo. Meu marido? Não, meu irmão. Por ele fiz o sacrifício. Eu poderia ter me casado em um templo Hare Krishna, seria mais eu. O corpo jovem não mais existe, mas me adaptei bem às mudanças da primeira gravidez. Por que eu continuo me sentindo jovem? O espelho desmente o que me vem na alma.

O que o meu rosto mostra? As marcas da vida vivida em sua totalidade. As rugas do riso, da exclamação; as pálpebras caídas de tanto rir, de tanto chorar, de tanto viver. Sim, eu me sinto jovem, mas vivi. Se vivi não posso ser jovem. Mas o rosto não mostra minha alma, minha memória. E sinto que em algum lugar do passado, eu fiquei, permaneci, me fiz jovem. Corro, mas também sinto as dores da idade; sento-me em posição de lótus, mas já perdi as cartilagens do joelho. Dói!

A alma implora por mais e mais aprendizados. Ela não sente-se madura ainda. A ausência dos que foram são supridas pela presença jovem de meus filhos e amigos deles em minha casa, em minha vida.

Chega! O rosto não é mais o mesmo, mas eu ainda sou. Por isso, e somente por isso, jogo o espelho no chão e digo para mim mesma: eu sei como sou, não preciso de espelhos que só servem para confundir-me.

E sigo em frente, rindo e chorando os dias que estou vivendo. Porque eu estou viva e isso é o que importa. Enquanto eu viver não poderei ser uma idosa, serei sempre eu mesma, a de sempre, a jovem com a cabeça cheia de vida e de vontade de aprender. Não estaciono. Eu sou a minha alma, jamais o meu rosto.

Campos dos Goytacazes, 03 de junho de 2015 – 12:22 horas

Emar
Enviado por Emar em 03/06/2015
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