A SUSTENTÁVEL LEVEZA DO AMOR
O amor pesa. Assim pensa a prefeitura de Paris, que determinou a retirada dos cadeados do amor pendurados na Pont des Arts, ao longo dos anos, pelos enamorados do mundo todo. Quase um milhão deles, em diferentes tamanhos e feitios, gravados com os nomes de milhares de romeus e julietas que juraram amor eterno enquanto dure. Mas, onde os apaixonados veem amor, o prefeito viu apenas metal. Toneladas de aço que ferem a estética da cidade-luz e comprometem a estrutura da ponte, diz ele. Entulho depositado por turistas de gosto duvidoso.
Na minha modesta opinião, sua excelência cometeu um erro histórico. Perdeu a oportunidade de erigir mais um monumento na capital do amor e da moda. Outro cartão postal para ombrear com a Torre Eiffel, que também é uma estrutura metálica, pesada e de difícil acesso. Construída para celebrar o centenário da revolução francesa, a torre só não foi demolida em 1909 porque passou a ser utilizada como antena de rádio. Em 1960, Charles de Gaulle quis desmontá-la e levá-la para um exposição em Montreal, no Canadá, quando foi dissuadido por um de seus ministros, que previu uma ida sem volta. Que deixaria nu o Campo de Marte.
Ora, se a “dama de ferro”, pesando mais de dez mil toneladas, teve duas oportunidades de sobrevivência, por que não dar pelo menos uma chance à colmeia de cadeados que crescia nas grades da ponte? Falou-se em risco de desabamento. Balela! As coisas em Paris não caem. Podem ser destruídas durante a guerra, mas, em tempo de paz, Paris é uma cidade mágica, onde as coisas e as pessoas flutuam, sonhando e desafiando a lei da gravidade. Onde o amor brota espontaneamente em cada esquina, em cada sorriso, em cada taça de vinho. Onde – muito ao contrário - a felicidade do visitante sobe até as estrelas.
De qualquer forma, se havia mesmo risco de queda, bastava transferir o incômodo material para um dos muitos e grandiosos jardins ou parques existentes na cidade. E construir um novo monumento para recebê-lo. Um novo arco para celebrar o triunfo do amor, este mais importante do que aquele que celebra o triunfo na guerra.
Dizem que essa moda começou em 2008. Outra balela. Quando estive lá, chamou-me a atenção um cadeado que, apesar de torto e enferrujado, ainda deixava entrever o nome dos apaixonados: Esmeralda e Quasímodo. Depois do susto, vi que a inscrição fazia sentido. Se a ponte original foi construída em 1804 e se Victor Hugo publicou seu romance em 1831, aquele bem poderia ser o primeiro cadeado que a Pont des Arts acolheu, eternizando o trágico amor entre a bela cigana e o corcunda de Notre Dame. Por que não? Ou será que ainda estou sonhando desde o último passeio? Se estiver, tenho a permissão de Mário Quintana: “uma vida não basta ser vivida; ela precisa ser sonhada”.
E eu, que pretendia rever a cidade-luz e também pregar um cadeado do amor na famosa ponte, agora vou ter de mudar o mapa das minhas viagens. Quem sabe, lançar moedas na Fontana di Trevi? Não sei se darão o mesmo resultado. Mas, pelo menos, será mais fácil. Até porque quem tem boca vai a Roma.