Carta para um colega (2)

Carta para um colega (2)







Prezado colega, tomo a liberdade de colocar algumas considerações que seguem abaixo. Não há uma ordem definida, é apenas um esboço que encadeia idéias soltas.

O serviço da operadora não funciona direito. Não reservo dúvidas de que historiadores do séc. XXII trocarão olhares reservados sobre o referido negócio, 4 operadoras para 200 milhões de pessoas. Duzentos e uns quebrados. Pouco me admira serem os campeões de reclamações. Quem pode com eles? Ninguém pode sequer com um boteco. Aqui na esquina acabou o sossego no meu modesto pouso temporário porque nas sextas-feiras eles botam pra quebrar, reclamei com o síndico, que disse ter melhorado, há um par de anos o estabelecimento abrigava olheiros do crime. Durma-se com um barulho desses.

Confesso que essa questão de pensar na política tupi me parece como trabalho de empurrar o oceano. Eu, como trabalhador microscópico nessa lida que prescinde de gigantes, digo que graças ao seu texto darei voltas e voltas, por esporte, e porque vosso conteúdo de exímia articulação e o primeiro comentário na página se complementam tão perfeitamente que a soma dos fatores me inspirou sobremaneira. Já havia inspirado antes, como expressei em vossa página.

Caminhando, ou antes, tentando uma outra abordagem, vejamos a Crise da Água. Há uma pegadinha nesse modo de comunicar. Por que não dizem o programa da seca? Ou o plano da seca? Algum cínico arriscaria que se chamarem de plano, vai prolongar a seca. Já um defensor da estatal rebaterá: talvez não seja seca. Seria seca se houvesse menos chuva que a média. (Não sei se é o caso). Enquanto isso muitas torneiras estão secas. Há seca no Quênia, na Zâmbia, na Índia, Paquistão, Equador, Paraguai, em Malawi, Uganda e Austrália. São necessários 10 bilhões (US dólar) para aperfeiçoar a tecnologia necessária para dessalinização e diante dos números que a corrupção brasileira aponta, estupidez citar os casos, só o nosso país poderia prestar esse serviço ao planeta. E a si mesmo. São números absurdos de dinheiro, absurdos, não há outra palavra para isso. Mas ninguém vai na jugular do problema. E não me refiro a temática da água, me refiro a todos os problemas, digamos urgentes, e são vários, um polvo com mais tentáculos do que o usual.

Bem, essa crônica também é tentacular, por esporte, e assim esgrimo que na Alemanha de 1937 fizeram uma exposição de Arte Degenerada, no intento de esculhambar a arte que julgavam doentia, que zombava do Divino e desperdiçava impostos pagos pelo trabalhador alemão. Bem, todos sabem o que aconteceu nos anos seguintes. Avançando no tempo, depois de muitas desconstruções, temos alguns locais no globo onde populações vivem com liberdade de expressão, moradias dignas, educação à contendo, assistência médica idem, lazer e cultura.
Em que ponto nos encontramos nesses itens? Melhor não responder.
Na Europa e no Japão são gastos de 1,5 a 3 bilhões de dólares (dados de 2002) em cultura. Há uma ligação entre o progresso de uma sociedade e o progresso da arte. A era de Péricles foi também a era de Fídias. A era de Lorenzo de Médici foi também a de Da Vinci. A era de Elisabeth foi também a de Shakespeare.

Agora vou para outro lugar, ainda no intento de diagramar parte das idéias inspiradas por sua crônica e pelo comentário ali exibido.

"Meyer versus Estado do Nebraska".

O estado do Nebraska passou uma lei proibindo ensinar qualquer outra língua senão inglês durante a Primeira Guerra Mundial. Meyer queria ensinar alemão. A Suprema Corte disse que a lei era inconstitucional. Ficam as perguntas básicas: onde, na constituição, diz que não se tem o direito de ensinar alemão na escolas? Assim, a constituição é irrelevante? Não. A constituição é apenas o começo. A democracia constitucional é bem sucedida apenas se a Constituição refletir valores democráticos já existentes nos cidadãos.

Bem, nesse momento a porca torce o rabo. E me refiro ao comentário na sua página, o primeiro. Porque ali, prezado colega, respira soberano o termômetro inequívoco que bate fundo no cerne de milhões de brasileiros. Nem todos tem a capacidade de se expressar com tamanho ímpeto. E uma coisa moveu a outra, eis a beleza desse espaço. Foi necessário o vosso texto para que o comentário da nossa amiga arregaçasse as mangas e colocasse ainda mais pingos nos "is". O painel, apesar de medonho, é verdadeiro.

Para encerrar a conversa vou te dizer uma coisa: eu acredito em milagres, palavra de honra. Acho que acontecem diariamente e aos milhões. Vê-los é outro assunto. Mas não consigo, por mais que eu me esforce, em ver um messias político. Pelo menos não nesta terra, pelo menos por hora. Em contrapartida, seu texto para mim é um milagre. São ações como essa que trazem perspectiva benigna para nós, conterrâneos, carentes de esperança, senão de fé, e é a palavra dos gigantes, como a vossa, que em noites frias de outono fazem o trabalho do acalanto para aliviar o fardo de quem pensa e não vê saída nenhuma.
Bernard Gontier
Enviado por Bernard Gontier em 02/06/2015
Reeditado em 27/06/2020
Código do texto: T5263855
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