Racismo

Sou negra.

Tenho dentes de negro, cabelo pixaim de negro, nariz achatado de negro... minha pele é negra. Contudo, por diversas e diversas vezes ouvi e ainda ouço frases do tipo: “você não é negra, é moreninha...”, “negro é aquele que só tem os dentes e o fundo dos olhos brancos, você não é assim...”, “seu cabelo não é de negro. Cabelo de negro é duro, o seu é cacheadinho...”

Eu sou negra.

E as frases continuam vindo, de todas as direções...

“você é uma nega de sangue branco.”

Como é que é??? Negra de sangue branco? Que isso, meu Deus!

“calma, menina, isso é um elogio... quer dizer que você é uma pessoa boa...”

Ããããhmm?!!!! Pessoa boa?! Como assim?! Quer dizer que negro pra ser bom tem que ter sangue branco? Que porra é essa?!!!

E ainda tenho que ouvir que sou mal criada por não saber agradecer a um elogio...

Negra de sangue branco...

Dá vontade de gritar e dizer pra todo mundo ouvir que sou negra com sangue de negro correndo em minhas veias, como grande parte das pessoas desse meu país miscigenado!

Tenho 42, quase 43 anos... pura negritude... muitas frases repletas de racismo passaram por meus ouvidos... vindas da boca “e do coração” de pessoas bem próximas a mim... pessoas que batem no peito e dizem “não! Eu não sou racista!”... mas são. Suas palavras, suas atitudes demonstram que são.

A pouco mais de três anos atrás, usava um aplique em meus cabelos, pequenas trancinhas que vinham até o meio de minhas costas. Um penteado tipicamente afro. Quando saía nas ruas sempre chamava bastante atenção... Vamos combinar que eu estava linda! Rsrsrs....

Aconteceu que certo dia, caminhava pela rua e uma senhora idosa começou a caminhar a meu lado... ela tinha a pela clara, cabelos lisos grisalhos presos em um coque baixo... caminhava ao meu lado e me olhava... até que não se contendo mais perguntou “este cabelo é seu?” respondi que sim, pois havia pago por ele. Ela ficou pensativa e disse “é de verdade?” expliquei à senhora que as trancinhas eram de náilon e ela perguntou se podia pegar. Paramos de caminhar por um instante e a velhinha passou a mão em meu cabelo, num misto de curiosidade e de pena... sim! De pena! E disse “tadinha... porque não tira isso?”

Eu levei um certo tempo para processar tudo o que estava acontecendo naquele instante... péra aí, então eu estava sendo consolada por ser negra? É isso? Meu Deus! E então aquela “doce” e “nobre” criatura racista fechou com chave de ouro aquele fortuito encontro dizendo “tira isso e alisa o cabelo, minha filha, vai ficar mais bonito!” Aff! Eu mereço? Sorte dela que aprendi a conter meus impulsos e dei um jeito de sair dali o mais rápido que pude sem dizer à ela as verdades que merecia ouvir.

Fui consolada por ser negra e ter cabelo pixaim... eu adoro meu cabelo pixaim! Tão cheio de estilo, cheio de vida própria! Meu cabelo pixaim é assim... tem vida própria...

Não preciso de creme alisante, nem de chapinha, nem de consolo.

Sou negra.

EU SOU NEGRAAA!

Com muito orgulho.

Não preciso de consolo.

E ponto final.