O meu Pulitzer e a batatinha
Gosto de batatinha. Salada de batatinha, popularmente chamada de maionese. Purê de batata então, adoro. Batatinha recheada, comi uma ou duas vezes é uma delicia. Recentemente comi uma receita chamada batata em camadas. Qualquer pessoa que goste de comer coisas gostosas deveria comer batata em camadas. Sempre que vou no mercado, e eu vou no mercado mesmo odiando comprar, acabo levando para casa pelo menos um quilo de batatinha.
Era um sábado e eu estava de folga. Na minha folga eu procuro descansar, recarregar as baterias para quando voltar na segunda-feira possa estar com toda a corda para trabalhar mais quinze dias interruptos. Nem os ruídos de carros passando na rua atrapalha meu sono, até gosto. Costume eu acho.Quando estou no interior, ouvindo apenas o cantar dos pássaros e o barulho dos animais não consigo dormir, por isso sempre evito estes locais de sossego, eles não me sossegam. Naquele fatídico sábado, queria dormir, precisava dormir, era meu direito dormir.
Acho que estava sonhando com alguma coisa. Talvez um prêmio Pulitzer. Sempre sonho que estou ganhando este prêmio. Já sonhei também que estava ganhando um Nobel da literatura. Até um Oscar eu já ganhei. Marquei muitos gols com a camisa da seleção brasileira contra a Argentina em finais de copa, mas naquele dia eu estava ganhando um Pulitzer. Era por um livro que ainda não escrevi, porque sei que pelos que eu já escrevi não tenho a miníma chance. Meu sonho era real. Provavelmente ele duraria a manhã inteira. Acordaria ai pelas dez, levantarias as dez e meia e então começaria a confeccionar uma batata em camadas para almoço. Gosto de cozinhar. Não gosto de lavar a louça. Iria deixar ela na pia. Iria ler alguma coisa a tarde, talvez ver um filme ou então passar algumas horas na internet. Tinha planejado. Tinha que ser assim, era o que eu precisava para aquele dia, era o que era necessário para que eu recuperasse as minhas energias. Era minha folga e na minha folga gosto de descansar. É um direito que tenho.
Eram sete e meia da manhã quando um carro de som com um volume absurdo passou na minha rua. Acordei, claro. Ninguém consegue dormir em Tenente Portela quando os carros de som passam. Reza a lenda que até um paciente em coma do Hospital Santo Antônio já acordou com o barulho do carro de som. Aquele carro de som, anunciava o preço da batatinha.Batatinha a noventa e dois centavos o quilo, gritava o locutor de voz grossa. Batatinha, estava sendo anunciada embaixo da minha janela as sete e meia da manhã do meu sábado de folga.
Primeiro praguejei, depois lamentei, por fim refleti e me perguntei, quem em sã consciência quer saber o preço da batatinha as sete e meia da manhã? Quem quer saber o preço de alguma coisa as sete e meia da manhã de um sábado? Quantas pessoas pararam o que estavam fazendo, ou acordaram como eu, e saíram para o mercado as sete e meia da manhã para comprar batatinha?
Eu sei, todo mundo tem direito a ganhar a vida. É a regra do mundo. Mas será que precisa ser anunciando o preço da batatinha as sete e meia da manhã de um sábado? Do meu sábado de folga? Não sei qual o resultado de marketing de um carro de som anunciando o preço da batatinha as sete da manhã tem para um mercado, mas sei, que eu não costumo comprar no mercado que me acorda as sete da manhã para me contar o preço da batatinha.
O grande detalhe de um carro barulhento de som me acordar as sete e meia da manhã do meu sábado de folga para me oferecer batatinha, é que moro ao lado do hospital. Sim, eu moro ao lado do hospital. O carro de som que me acordou as sete e meia da manhã, certamente também acordou os internos do hospital. Muitos, creio eu, que tinham pego no sono a pouco, já que haviam passado a noite na sofridão da mazela de suas doenças e tenho certeza, nenhum deles tinha interesse em saber o preço da batatinha as sete e meia da manhã.
Naquele sábado eu fui no mercado e pela primeira vez não comprei batatinha. Eu gosto de batatinha. Batata em camadas é uma delicia, mas gosto mais ainda de dormir e descansar no meu sábado de folga. É uma necessidade que tenho. É um direito meu. Não é justo trocar o meu prêmio Pulitzer pelo preço da batatinha! É?