O ciclista

Noel Moreno Leite nasceu em 1959, cidadania espanhola e brasileira, era um menino super curioso, inteligente. Gostava de pedalar desde criança.

Na década de 80 achou que poderia ir até Manaus de bicicleta, mas chegando em um ponto da Rodovia Anhanguera seu equipamento falhou. Ele o vendeu e prosseguiu até a capital do Brasil, utilizando carona. Uma das vezes que se aventurou pelas estradas chegou até a Bahia. Foi ao Rio de Janeiro, também de carona. Houve um problema para subir ao Cristo Redentor, mas ele não desistiu, pediu carona para um motorista de carro de lixo. Divertia-se ao contar esta história.

Entre outras aventuras, o passeio preferido dele era seguir as trilhas da serra do mar de São Paulo, especialmente pelos trechos da linha de trem. Paranapiacaba era seu cantinho preferido. Na adolescência utilizava os trens da antiga Sorocabana. Havia um modelo que era construído de madeira, muito interessante, seu preferido. A estação frequentada era no Socorro, próximo a Marginal Pinheiros.

Noel desejou pedalar pelo mundo, mas a responsabilidade com a família não permitiu. Viveu sua vida trabalhando arduamente para criar seus quatro filhos, foi mãe e pai ao mesmo tempo. Foi difícil, mas ele superou a fase mais crítica, deixando seus sonhos de liberdade para o futuro, por ocasião da aposentadoria.

Estava perto de conseguir, faltando apenas 3 anos, ele começou a realizar alguns projetos, por exemplo de pular de pára-quedas. Dia 18.01.2015 realizou seu sonho, em Boituva, interior de São Paulo. Ficou super feliz, chegando a afirmar que, se partisse naquele dia iria feliz.

No Hospital Municipal do Campo Limpo, um dos pronto-socorros mais movimentados da zona sul de São Paulo, exerceu diversas atividades. Sentia muito orgulho em trabalhar neste hospital. Quando recebeu um diploma por sua trajetória como funcionário ficou super orgulhoso. Mostrava o pedaço de papel com brilho nos olhos.

O Hospital Municipal do Campo Limpo, na área do Jd. São Luiz, continua atendendo a população dia e noite, porém com a ausência de um dos funcionários mais antigos. Em uma das folgas, Noel foi mais uma vez para a serra do mar, seu último passeio.

Quando escuto as sirenes das ambulâncias, quando passo próximo ao hospital, sinto um vazio e uma saudade dolorida. Noel não entregará mais medicamentos aos pacientes, nem mesmo empurrará uma maca, nem falará com os médicos, nem contestará alguma situação delicada como fez, apesar da obediência a ética. Não assistirá as tragédias, aos dramas de quem precisa se atendido para salvar a vida. Não implicará com algum enfermeiro ao demorar algum atendimento, nem mesmo falará com algum vizinho ao ser atendido por lá. Ele não observará pessoas chorando na partida dos seus familiares. Aliás, costumava dizer que na hora da partida muita gente chorava é por arrependimento.

Ele não está mais lá, onde trabalhou com tanto orgulho, onde passou parte de sua vida prestando um bom serviço. Noel Moreno Leite foi mais uma vítima de nosso transito caótico. Estava pedalando e um veículo não estava na distância regulamentar de 1,50 mts. Não teve a chance sequer de ir a um pronto-socorro.

E assim termina a história de meu irmão na cidade que amou. Partiu fazendo o que gostava: pedalar.