Falando de bruxas


     Continuo curtindo as histórias que falam de bruxas. Principalmente as bruxas antigas; aquelas que "cruzavam os céus cavalgando vassouras", e saíam por aí aterrorizando a deus e o mundo. Adoraria participar de um Halloween naqueles países que têm essa festa inserida, oficialmente, no seu calendário.
     Quando eu era menino, na minha casa, a ordem era não falar de ou em bruxas, depois das seis da tarde! Tudo para que ninguém acordasse de madrugada dizendo que as via dançando no telhado do quarto onde eu dormia, com meus cinco irmãos. 
     Se já naquela época escrever crônica fosse o meu hobby, eu teria produzido lindas historinhas de feiticeiras. E hoje, provavelmente, elas estariam sendo lidas por Catarina, Davi e Bernardo, Vitor e João, meus espertos netinhos. 
     Num certo fim de tarde, resolvi mergulhar no açude Caipora, que ficava a meio quilômetro da casa grande da fazenda Açucena, onde eu passava minhas férias escolares. 

     Depois do primeiro mergulho, ouvi gemidos prolongados e intermitentes. Olhei para um lado, olhei para o outro, e não vi absolutamente ninguém! Passei, então, a admitir, que havia uma bruxa a me espiar. Dizia-se por lá, que elas, vez em quando, apareciam, de preferência nas águas do açude.  Vesti rapidamente  meu calção vermelho, e, quase correndo, peguei o caminho de casa.
     No dia seguinte, circulou a notícia de que, na noite anterior, uma bruxa espevitada aparecera em diversos locais da fazenda Açucena; inclusive na beira do seu açude, de águas profundas e misteriosas.

     Escutei os vaqueiros jurando, "por Deus",  que tinham visto um vulto estranho de mulher quando, à boca da noite, traziam o gado de volta ao curral. E que haviam interrompido o aboio para fugirem, em rigoroso silêncio, de alguém que parecia seguir-lhes os passos.
     Os anos passaram, e, como disse, não perdi o interesse pelas estorinhas de bruxas.  Ouço-as, como nos distantes tempos de criança. Sempre vale a pena sonhar... Ou não?
     Passando outro dia por uma livraria, comprei um livrinho que fala de uma  bruxa famosa.  - Só quem curte essas estranhas figuras pode se dar ao trabalho de adquirir livros que narram suas estripulias. Foi sem dúvida a leitura desse livrinho que me levou a rabiscar está página.
     O livro conta a história da Bruxa de Évora, uma feiticeira lendária que povoa "o imaginário ibérico", desde a Idade Média.
     Também chamada de Moura Torta, ela teria aparecido no tempo de Dom Afonso Henriques, o primeiro rei de Portugal; ou Portucália. 

     Sua autora, Maria Helena Farelli, descreve as escaramuças, traquinagens, travessuras e rodopios da célebre feiticeira lusitana. 
     Era uma bruxa poderosa e inteligente. Além de muitos feitiços, ela fazia surpreendentes curas. Tinha prestígio; era respeitada em todo território português. 

     A Bruxa de Évora, diz Farelli, chegou ao Brasil com  nossos colonizadores. Veio, destaca a escritora, "nos baús de madeira, nas conversas, no jogo de dados da marujada, nas histórias do capelão. E por aqui ficou..."
     Farelli aponta e comenta vários feitiços que eram atribuídos à maga lusa. Exemplos: "Feitiço para obter riqueza e fartura"; "feitiço do bode preto para afastar inimigos"; "feitiço para encontrar tesouros"; adivinhação para conhecer o futuro marido"; "feitiço de ovos para casar".

     Como no Brasil cresce, a cada dia e a cada noite, o número de larápios - da coisa pública e da coisa privada -, achei de bom alvitre lembrar, aqui, o feitiço da bruxa que Helena Farelli intitula de "A bênção contra os ladrões".
     É simples. " A pessoa vai, à meia-noite, até uma encruzilhada, deixa cair no local uma moeda de seu dinheiro, e diz: "Este roubo será evitado; aqui eu te dou este presente, Bruxa de Évora."

     Com a ajuda da Moura Torta, a gente, quem sabe, poderá voltar a dormir de portas e janelas escancaradas; como nos tempos dos nossos ta-ta-ra-vós... 



 


     

 

Felipe Jucá
Enviado por Felipe Jucá em 13/06/2007
Reeditado em 06/12/2019
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