A Latere 4

A Arte

Quando depois da cópia, do ditado, da redação e das contas era altura de desenhar a alegria contida invadia os nossos corações. O tema era, em regra, dado mas de modo tão genérico que cada um de nós o reinventava à medida do talento, do prazer, das cores que tinha mais à mão. Não ganhava ninguém mas o caderno do Adelino corria todas as carteiras para ser visto, apreciado, admirado e invejado. De nós ele era, manifestamente, o melhor a desenho. Crescemos todos e cada um seguiu o seu destino. Acabei Poeta e Pintor depois de ter outras profissões menos empolgantes. Recordo que, no tempo da instrução primária, a minha produção artística era rotulada de insólita e disparatada. – É uma pomba ou uma avestruz? Lindo, perfeito, igual ao real era só o desenho do Adelino que chegou a comerciante e nunca mais desenhou. A máquina fotográfica acabou com o interesse da reprodução realista das pessoas e coisas e os artistas plásticos da época, picasseando, ganharam má fama, cabelos e barbas compridos, insultos e pobreza geral. Dolorosas são as mudanças, as transições, a evolução das ideias. Realistas, neorrealistas, abstratos, expressionistas, gestualistas e tantos outros istas se sucederam na história da arte do século vinte, o tal que acabou por não ser de rotura porque todas as diferenças entraram, como arquétipos, nos Museus. O Adelino progrediu pouco mas alguns da nossa Escola destacaram-se e são hoje gente de referência. A arte, o gosto, a educação e a cultura mudaram tanto que coisas bem diversas disputam e vão ganhando o lugar das paisagens nas paredes dos compradores. Agora marca a linguagem, a caligrafia pictórica, a alma das coisas. Artista é o que vê de modo diferente a realidade de todos. Arte é aquilo que, entre outras virtudes, é capaz de guardar a emoção.

Edgardo Xavier
Enviado por Edgardo Xavier em 28/05/2015
Reeditado em 23/07/2015
Código do texto: T5258364
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