Doutores, Engenheiros & Companhia...

Quando minha mãe era adolescente, frequentou o Carolina Michaelis, então na Praça Coronel Pacheco. Nessa ocasião, muitas vezes, visitava a tia Teresa, que morava na Travessa de Cedofeita.

Vinha pelo passeio. Descia na pedra do estiquete – laje temida pelas alunas, porque era certo: a que a pisasse, tinha péssima nota, – e entrava na estreita rua que entestava com a de Cedofeita.

Certa vez, indo visita-la, esta disse-lhe que esperasse um pouco, porque o filho Artur ia chamar táxi para o levar à estação de S. Bento, e dava-lhe boleia.

Chegou o táxi. Carregaram as malas, e sentados no banco de trás, conversaram animadamente.

Já na estação ferroviária, quando esperava que o primo embarcasse, aproximou-se carregador – nessa época havia homens que ajudavam a transportar as malas, – e perguntou-lhe:

- O Senhor doutor quer auxílio?

Admirou-se minha mãe que o homem soubesse que o primo frequentava a Escola Médica, e virando-se, disse-lhe:

- Não sabia que eras tão conhecido…”

Ao que este respondeu:

- Não sabes que estes homens tratam todos por doutor? Se acertam tudo bem; se erram, o freguês fica contente…

Vem o episódio a propósito de todos quererem ser doutores. Em Portugal é quase título nobiliárquico…

Com o ensino obrigatório, o número de licenciados aumentou, assim como mestrados e doutorados, o que retirou, um pouco, o prestígio que tinham, mas mesmo assim, ser doutor ou engenheiro ainda abre muitas portas…

Quando realizei série de entrevistas para o “ Notícias de Gaia”, a maioria das personalidades com quem falei, na dúvida, chamavam-me sempre de doutor.

João Adelino, da RTP, conta, que estando nos estúdios para iniciar debate eleitoral, um dos convidados recusou entrar, porque não o tinham tratado por doutor! E acrescenta: “ Não há convidado, na televisão, que não seja apelidado, invariavelmente de “doutor” ou “ engenheiro” – JN – 14/04/2012.

Teresa de Mello escreveu um dia no “ Jornal de Abrantes”, então dirigido pelo notável jornalista Fernando Martins Velez, que conhecia muitos que nunca frequentaram a Universidade, e era todos tratados por doutores, enquanto seu pai, que possuía dois cursos superiores, foi sempre conhecido pelo nome.

Certa ocasião o Sr. Fernando Figueirinhas – da livraria Figueirinhas, – apresentou a meu pai o cineasta António Lopes Ribeiro.

Como o tratasse por doutor, disse-lhe:

- “ Sr. Pinho da Silva: eu tenho nome e orgulho-me dele! …”

Na verdade as grandes figuras da Literatura, da Arte, da Ciência, do Cinema ou da Política, nunca são tratados por doutores, apenas pelo nome.

Mas qual o jovem, que acabe de se licenciar, que não goste de ser chamado de doutor?

Amigo meu contou-me, que o filho, após ter defendido tese, virou-se para o pai e com tristeza, disse-lhe:

- Papá: ainda ninguém me chamou por doutor…

Ao que o pai respondeu, sorrindo:

- Não seja por isso, eu vou tratar-te por Senhor Doutor!

Se vendessem títulos académicos, como se venderam outrora os nobiliárquicos, os cofres das Universidades estariam cheios…

Humberto Pinho da Silva
Enviado por Humberto Pinho da Silva em 28/05/2015
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