QUANTO MAIS GORDO MELHOR

Foram vários anos de pesquisa até a confirmação do que muitos já sabiam: ser gordo fazia bem à saúde.

Antes não era assim. No passado, as estatísticas mostravam que obesos viviam menos, sofriam mais de diabetes, doenças do coração, câncer, artrose, etc.

O fato é que isso mudou, e um número cada vez maior de gordos começou a chegar aos cem, cento e dez anos sem nenhum problema.

Enquanto isso as pesquisas avançavam, vários congressos eram realizados, artigos publicados; até que, finalmente, veio a confirmação: mutações genéticas consideradas impossíveis de acontecer tinham acontecido, e, em decorrência disso, gordos passaram a viver muito mais do que magros. E ficou provado: quanto mais gordo, melhor.

Pior do que ser magro era ser sarado. Sarados começaram a morrer ainda mais cedo, antes dos quarenta anos, o que levou à falência milhares de academias e fábricas de equipamentos fitness no mundo todo.

Nutricionistas mudaram todas as suas dietas de emagrecimento para de engorda. Fábricas de roupas passaram a utilizar de cinco a dez vezes mais tecido e elástico em sua produção (modelos plus size começaram a brilhar nas passarelas de Paris e Milão). Produtos light foram abolidos das prateleiras dos supermercados, dando lugar a novidades milagrosas, como a barrinha Potency, que oferecia mil e duzentas calorias em vinte gramas de produto.

Magros que não conseguiam engordar de jeito nenhum encheram os consultórios de psicólogos e psiquiatras com suas lamúrias sem fim, muitos chegando à beira do suicídio. Cirurgias para aumento de estômago e remédios revolucionários para aumentar o apetite atraíam cada vez mais gente no mundo todo. Elevadores, carros, ônibus, aviões, salas de aula, calçadas, clubes, parques de diversão, tudo teve que ser adaptado aos quilos a mais da população. Países como Estados Unidos, México, Brasil e Argentina chegaram a ter taxas de ‘obesidade desejável’ (a antiga ‘obesidade mórbida’) de cerca de 80%.

E o mais grave disso tudo é que o meio ambiente começou a ser agredido como nunca tinha sido antes, pois a necessidade de se produzir mais e mais comida levou a mudanças radicais na legislação ambiental, para ampliar as áreas cultivadas, principalmente de cana-de-açúcar, trigo e batatas. No Brasil, o Congresso Nacional, que mesmo antes das mutações genéticas era constituído em sua maior parte por obesos, aprovou uma lei que transformou metade das matas ciliares do país em plantações de mandioca, e um terço das florestas nativas dos estados mais pobres em currais para engorda de porcos.

Outra consequência: o aumento assustador da produção de fezes, que no Brasil transformou vários rios (que já eram esgotos a céu aberto) em imensos e fétidos lamaçais de merda, que escorriam lentamente até o mar como rios de lava. Nas fotos de satélite, no lugar do antigo verde-água luminoso, o que se observava nas águas da costa brasileira era uma enorme mancha marrom, chegando, no Nordeste, até o arquipélago de Fernando de Noronha, e em regiões tradicionalmente mais cagonas, como Rio de Janeiro e São Paulo, até três mil quilômetros mar adentro.

Magros foram banidos da política. Opositores ao ‘novo regime’, preocupados com o futuro do planeta, foram perseguidos, presos, torturados. O terror se instaurou. “É o fim!”, gritavam os últimos ambientalistas vivos. Mas ninguém os ouvia.

BUM!

Ramon caiu da cama. Levantou a cabeça, ofegante, assustado, e olhou ao redor. Sentiu um forte cheiro de fezes no ar, mas logo percebeu que era sua imaginação, resquícios do pesadelo. Apalpou a barriga e sentiu aliviado o excesso de gordura esticando a camisa do pijama. Ainda com um pé no sonho, disse para si: “Ufa”.

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 27/05/2015
Código do texto: T5257378
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2015. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.