A Maquiagem
A responsabilidade, como competência, está cada vez mais maquiada.
A ponto de a usarmos cada vez menos para valorizar nossos traços, e cada vez mais para distrair o cidadão do que está embaixo dela.
Não são poucos os locais, entre eles, hotéis e estacionamentos pagos que tem o seguinte aviso:
“Não nos responsabilizamos por objetos deixados no interior do veículo”, ou “Não nos responsabilizamos por objetos nas dependências do hotel”.
Prontinho.
Maquiagem revelada através de letras que não maquiam, mas mascaram a verdadeira imagem. A verdadeira mensagem.
“Não queremos ser responsáveis e pagar pelo seu possível descuido, esquecimento, e muito menos sua malandragem (se for o caso), senhor cliente. E, ao deixarmos bem claro nossas intenções e política de hospedagem, repassamos ao senhor toda a responsabilidade, inclusive a que nos cabe, por hospedar-se aqui”.
Ou
“Estamos perdidos em relação aos nossos direitos, deveres e como lidar com situações onde deveríamos contar com nosso cérebro. Não temos estratégias para administrar as situações inesperadas que surgem. Não sabemos se a justiça irá justiçar ou nos ferrar. Neste caso, se você não souber de seus direitos, dane-se você.”
Simples assim.
Apesar deste assunto poder, facilmente, virar uma areia movediça, o essencial está em terra firme. Responsabilidade virou batata quente. Muitos vão passando para não queimar as próprias mãos. Porém, não é um comportamento apenas individual, mas sim, social. Falta clareza de regras, falta o respeito às regras e, principalmente, cumpri-las. A insegurança no tipo de julgamento e as consequências que teremos, fazem a gente desconfiar da própria sombra.
Na maioria das vezes, quem queima as mãos é o brasileiro, que na verdade joga em todas as posições. O gerente do hotel, também é um cliente em outro hotel e, provavelmente, é o mesmo que estaciona seu carro num estacionamento pago.
No fundo, apesar do empurra-empurra, apenas damos um tempo quando passamos a batata para outros, mas não nos livramos dela. Estamos atarefados demais. Diante deste desfile de irresponsabilidades, quanto mais confusão geral for criada, quanto mais atenção tivermos de dar a nossa sobrevivência, menos tempo teremos para sair desta roda viva e desta areia movediça. Estamos em uma realidade com maquiagem à prova d’água. À prova de choro.
O recado que se mostra por trás de tanta maquiagem é: cada um por si e Deus por todos. Escrito num rosto social cansado e com valentes marcas de expressão.
Abraço
Fernanda Nunes Gonçalves