Verdades, Mentiras e Sinceridades

Entre a verdade e a sinceridade, existe um limite muito tênue de mentiras construídas que são tidas como fundamentais para a obtenção de uma vida autêntica, virtuosa e fiel. Entretanto, é preciso lapidar as diferenças, evitar os equívocos e tentar compreender onde começa uma e aonde termina outra, para que novas mentiras não sejam tomadas por verdades, e vice-versa.

A Sinceridade pressupõe a avaliação justa de critérios relativos à realidade. Neste sentido, pode ser dolorosa, angustiante e indesejada. Quer minha opinião sincera, moribundo? Morrerá em breve. Na contramão destas ideias, estamos habituados a inventar e a forjar verdades a todo custo para que sejamos aceitos e queridos por todos, mesmo que estas hipócritas verdades (ou veladas mentiras) custem um preço muito caro: a própria sinceridade.

A verdade é um conceito, uma definição imprecisa, vaga e mesmo muito insustentável. A sinceridade, neste sentido, é a própria encarnação da verdade. No início, era a Verdade, e a Verdade se fez carne: eis aí o nascimento divino da Sinceridade.

Verdade – desejo bobo a ser perseguido, inútil em muitos casos, refém de conceitos cristalizados que, a qualquer momento, deixam de possuir o status de verdadeiros para cair numa deslavada mentira ultrapassada. Sinceridade – a própria “bobice” posta em prática, que depende exclusivamente das suas opiniões, gostos, desejos subjetivos, intenções e expectativas. A sinceridade nunca será uma verdade, pois apenas reflete, espelho talvez distorcido que é, as próprias deformações do ser em suas interpretações do mundo.

A sinceridade, também, possui um lado mesquinho e ingrato. Há certos momentos que devemos utilizar a honestidade e saber que, do outro lado, existe uma pessoa de carne e osso com afetos e emoções que devem ser, por algum motivo, preservadas. Por exemplo, ao dizer daquele corte de cabelo horroroso de uma pessoa fragilizada pelos reveses da vida que ele, o corte miserável, está efetivamente terrível só porque você é sincero é de uma infantilidade e crueldade injustificáveis. Uma mentira honesta, nesse caso, evitaria mágoas e desentendimentos aflitivos. Sendo assim, a criança é sempre sincera ao dizer do corte de cabelo, mas um adulto, sabedor dos traumas e dos distúrbios emocionais das outras pessoas, deve encontrar um modo mais inteligente de externar suas impressões.

Por verdades, impérios foram construídos, conquistados em nome de um ideal incorruptível. E estes mesmos imperadores, também, não respeitaram as verdades alheias – espoliando, sujando, mentindo a essência mais intima dos conquistados, sangrando a sinceridade de outros povos em nome da sua (e não das dos demais!) verdade, única a ser levada adiante, não importa como, através da destruição e do holocausto. Uma verdade fundamental (a superioridade da raça ariana) fez Hitler matar milhões de judeus. As verdades às vezes são impunes, sanguinárias, cruéis e destrutivas.

A sinceridade, nunca. É por isso que esta deve ser uma virtude. Sê sincero, e alcançarás o reino dos céus. Ela é um processo – nunca uma finalidade. Aliás, é um fim em si mesmo e sendo assim não depende de outras verdades, não gravita em torno de idéias e chavões preconceituosos e limitadores. A sinceridade é dinâmica, ágil, conforma-se e flui numa naturalidade admirável. A verdade parece ser uma pedra gigante de inflexibilidade, arrogância e imposição. Está como está, imutável e limitada em sua força bruta, bronca e besta.

A Verdade, enfim, deveria ser a sinceridade posta em prática. Ser sincero seria, pois bem, manifestar aquela autenticidade que pode ser, inclusive, a própria mentira, pois aquele que comete um crime, por exemplo, não está sendo “verdadeiro” apenas com o seu projeto pessoal e ambicioso. Está também naturalmente mentindo, destruindo e negando valores que vão além de si mesmo, a começar pela sinceridade social, critério inviolável para se viver harmoniosamente.

Finalmente, sejamos sinceros: as verdades que mais valem a pena são aquelas mentiras que ainda não aconteceram e estão inscritas na imaginação das crianças, poetas e seres que, de alguma maneira, creem na autenticidade do seu coração. E é isso que importa. Ou você tem outra verdade?

Fernando Marini
Enviado por Fernando Marini em 26/05/2015
Reeditado em 26/05/2015
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