"CAVALOS DE FOGO"
Os dois trabalham numa repartição pública. Pereira examina documentos, bate o carimbo, puxa somas. Silva, recostado na cadeira, começa a aparar as unhas. Pereira fuzila o colega com o olhar:
– Não sei como você pode ficar assim. Se não queria nada com o batente, porque prestou concurso?
– E quem falou que vim aqui para trabalhar? Queria só um emprego, um encosto, morou? Não nasci para ser funcionário, meu negócio era ser compositor clássico.
– É... a empresa está cheia desses malucos. Já que você quer ser compositor, porque não batuca um pouco nos carimbos.
– E eu quero saber de carimbos? Olha, quero te mostrar a ópera que estou compondo – levanta-se Silva, animado. Chama-se “Cavalos de Fogo”. Imagine um montão de cavalos brancos, envoltos em névoa. O chão cheio de folhas secas. Onde estão as folhas? (Pega alguns documentos da mesa... amassa-os e joga no chão). O nobre mocinho encontra a bela princesa e canta: laralilá... laraliló....
Ouvem barulho de passos. “Epa, vem alguém aí!”
Silva, então, apruma-se na cadeira e passa a batucar freneticamente no teclado do micro. Quem entra na sala é o inspetor da empresa. Após depositar sua pasta numa mesa, observa os dois empregados. Depois, abre a gaveta do Pereira:
– Quero ver como estão os serviços. Ahá! Tudo atrasado! O senhor é um relapso. Espelhe-se no seu colega aqui. Este, sim. Veja como trabalha. Este nasceu para ser funcionário público. Não nega ser sobrinho do deputado Silva, acertei? Vou recomendá-lo para um cargo de chefia. E o senhor, seu Pereira, trate de trabalhar mais, senão o coloco à disposição da diretoria. E tomara que o transfiram para os confins do Amazonas.
O inspetor colhe a sua pesada pasta e deixa a sala bufando.
Silva larga imediatamente o que fingia estar fazendo e levanta-se:
– Voltando ao “Cavalos de Fogo”...