Olhos-Verdes
Ela chegou como o brilho da lua cheia. Linda, esplendorosa, tal qual uma boneca de porcelana, com as bochechas rosadas e os olhos verdes como esmeralda. Daí a inspiração para o nome, que a mãe fez questão de escolher. A pequena crescia cercada de cuidados e mimos como numa redoma de vidro, protegida pela descomedida vigilância materna. “Vai ser modelo ou atriz famosa”, dizia ela com um orgulho digno da realeza britânica. Essa atitude contribuiu para a infelicidade da pequena. Vivia amuada, com dificuldades para fazer amigos, pois a mãe procurava mantê-la junto de si, como a garantir a exclusividade sobre a criança.
Conheci “Olhos-Verdes” no ensino fundamental. Foi empatia logo no início. Aquela menina tímida e introvertida passou a ser minha companhia inseparável e logo reconheci naquela formosura em forma de criança, com sua cútis alva como a neve e seu jeito delicado de falar, uma carência afetiva de dar pena. Lembro-me dos momentos felizes que passamos juntos em que “Olhos-Verdes” brincava despreocupada e feliz, tentando espetar espinhos de limoeiro nas frutas, e no fértil imaginário infantil os transformava em animais da fazenda. Um pouco mais tarde, acompanhei a menina-moça desabrochar para a adolescência como a um botão de rosa na primavera, fazendo ferver os hormônios da molecada.
A vida seguiu seu rumo e nunca mais tive notícias daquele anjo na forma humana. Sua beleza estonteante que arrebatava os mais insensíveis ficou guardada na memória, assim como aqueles olhos enormes, o sorriso cativante, a voz macia e aveludada que fustigava os corações enamorados. Hoje me alcança a meia-idade, os cabelos teimam em ostentar os pigmentos advindos da experiência, os filhos crescidos e independentes, os netos chegando e ocupando seu espaço. A sensação de que o tempo transcorreu depressa demais fica ainda mais evidente quando dedico algum tempo para as recordações do passado, onde encontro com sua insuperável beleza, aqueles inesquecíveis olhos verdes.
Eis que por acaso me deparo com uma manifestação na via pública, alertando para os elevados índices de violência contra as mulheres. Foi quando recebi gentilmente um panfleto. Uma voz macia e aveludada me fez imediatamente voltar o olhar em sua direção. Depois de tanto tempo, aqueles olhos incrivelmente verdes de outrora estavam bem em minha frente. Sem o brilho e o frescor da juventude, perdidos nas madrugadas sem fim. Esmeralda, a menina que um dia haveria de ser atriz ou modelo famosa, transformou-se em mariposa da noite. Vejo com dissimulada melancolia que dos tempos da mocidade restaram apenas lembranças, que preservam uma pequena flor em forma de criança. E lá está eternamente bela e pura, “Olhos-Verdes”.