Sobre indecisões e partidas
Sobre indecisões e partidas
Belvedere Bruno
Decisão solitária. Partiu, sem sequer atender meu último pedido - um vinho tinto no recém-inaugurado bistrô de nosso amigo Pierre. Tudo fiz para dissuadi-la da ideia de viver longe da civilização, sozinha, aos 80 anos. E cá estou, entregue às minhas divagações. Para onde escoarão meus sentimentos?
Como apagar essa história? Fazer de conta que nunca existiu? Que foi um sonho, delírio, roteiro de novela? Em cada canto da casa há fragmentos de teu eu. Por que tantos rastros se querias fugir de tudo? Que fosses inteira então.
Desfiz a sala de música. Os discos de vinil descansam nostálgicos em um canto do quarto de TV. Retirei teus livros da estante e os coloquei naquela mala que nos acompanhou em tantas viagens. Os de Hemingway permanecem no mesmo lugar.
Talvez o cheiro do mato, o canto dos pássaros te tragam algum alento. Estou sozinha. A vida segue, mas falar para quem? o quê? Meu Deus, que desviver.
Iludo-me ao pensar que logo a saudade aperta e pegas o trem de volta? No porta-retrato, fito teus olhos azuis que parecem dizer: me espere. Confesso que sempre observei um traço irônico, indecifrável , nesse sorriso tão incensado em nosso meio .
Contudo, te esperarei,sim, e deixarei de lado essa ansiedade, essa sofrência, que me isola cada vez mais das minhas afinidades. Afinal de contas, não se vive 85 anos impunemente. Como bem dizias, é preciso “atitude”.
É primavera e o canteiro começa a florescer. Sabes que nunca tive jeito para lidar com flores. Elas sempre foram tuas. Então, assim como eu, elas também te esperam.
Capturo um pouco dessas cores, mesclando tons, tentando uma coleção de aquarelas . Quem sabe enfeitarão um novo ambiente para festejar o teu retorno?
Pintando, busco trazer cores a esses esses dias cinzentos. Impossível não indagar se eles terão fim.