Ramon contra a corrente

Nadar contra a corrente não é fácil. Às vezes a correnteza fica muito forte e os nadadores que a seguem trombam em você. Muitos tentam te levar junto, te puxam pelo pescoço, pelos braços, pelas pernas. Alguns chegam a te ferir, te arranham e te mordem ao passarem.

Ramon sabe disso e não se importa. Está disposto a arcar com todas as consequências. Com algumas ele já convive há um bom tempo: desprezo de colegas e parentes, comentários venenosos, fofocas, generalizações arbitrárias sobre a sua pessoa, etc. Mas vale a pena, ele diz.

Ser fiel a si mesmo e seguir seu caminho de cabeça erguida deve ser realmente muito bom, apesar dos pesares.

Mas Ramon não é cabeça dura, sabe ser maleável quando necessário, e, de vez em quando, até se deixa levar pela corrente a lugares onde seu sofrimento é quase insuportável. Por exemplo, quando teve que ir à cerimônia de formatura de sua sobrinha Camila, num ginásio esportivo lotado, onde outros 859 alunos também se formaram. Ramon ouviu tanto discurso enfadonho, tanta puxação de saco e algazarra (gritos, apitos, cornetas e tambores), que sua cabeça ficou latejando de dor a semana inteira. Mas lá estava ele, sorridente, fingindo alegria, aplaudindo tudo que tinha que ser aplaudido, e com tanta força, que suas mãos ficaram dormentes e tremendo a noite toda; nem conseguiu escovar os dentes para dormir.

Outra concessão que Ramon faz ao sofrimento, embora raramente, é ir a festas chiques. Ele simplesmente não suporta aquela gente de nariz empinado enfiada em ternos e vestidos de gala circulando com taças de vinho e champanhe por salões ostensivamente decorados com toneladas de flores e quilômetros de sedas e rendas. Numa escala de sofrimento de 1 a 10, elaborada por Ramon, esse tipo de festa é 10, mas como são raríssimos os convites que ele recebe, quase não tem que sofrê-las, o que é um alívio.

Ramon não puxa saco. Não faz questão de aparecer, muito pelo contrário, esconde-se o máximo que pode (zero em networking e marketing pessoal para ele). Não é uma pessoa agradável, porque é ele mesmo (quase sempre), e ‘ele mesmo’ geralmente não agrada: gosta de coisas que a maioria das pessoas não gosta, desaprova o que a maioria aprova, despreza várias convenções sociais, não sabe fazer praça pra ninguém nem fingir simpatia; enfim: Ramon é um peixe que nada contra a corrente, pelo menos a maior parte do tempo.

E assim ele segue seu caminho, humilhado e desprezado por muitos, mas também amado e compreendido por outros que, generosos, abrem-se a ele, procuram conhecê-lo melhor, e mesmo quando discordam de suas opiniões, mantêm-se de braços e corações abertos, acolhedores, amigos. Esses anjos são poucos, mas fazem toda a diferença. São eles que ajudam Ramon a ser o que ele realmente é, e ao mesmo tempo o estimulam a ceder mais, a se abrir mais, sem sofrimento, sem se apagar. Ah, os anjos de Ramon...

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 21/05/2015
Código do texto: T5249558
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