P O E T A Ç O

Dia desses estava num boteco tomando umas e outras com alguns amigos coroas que nem eu, companheiros de geração. Todos eles admiradores da poesia e da MPB. Mas dentre eles, como em toda patota, há os mais amostrados e metidos a intelectuais de marré-deci. No decorrer do papo movido a umas lapadas de Pitu, rebatendo com aquela cervejinha sugerida por Miss Verão, tirando o gosto com um sarapatel esperto, eis que alguém afirmou que seu poeta preferido era Drummond, outro rebateu citando Bandeira, mais outro discordou e apontou Ferreira Gullar, apareceu Geir Campos, Vinícius, Manoel de Barros e etce e coisa e tal. Estava calado, chateado porque já tomara minha quota, meia dúzia de lapadas de Pitu e a porção máxima de sarapatel, um mísero pires dessa iguaria, quando alguém me perguntou qual era o meu poeta preferido. Disse que não era brasileiro mas português. Alguém contestou: Pessoa não vale é hors concours. Esclareci que não era Pessoa. Arregalaram os olhos curiosos e perguntaram se era Sá Carneiro ou José Régio. Acabei com as indagações: "Para mim o maior poeta do Brasil e da língua portuguesa é Adelino Moreira!".

Foi aquele rebu, protestos, indignação, surto de intolerância... Como sempre acontece nesses bate-papos entre amigos. Afirmaram aos gritos que Adelino era apenas um letrista, talentoso, mas limitado, fazia apenas bons sambas-canções. Continuei firme, de propósito, me divertindo com a polêmica que causara, mas no fundo satisfeito porque sou mesmo fã do saudoso compositor e acho que é mesmo um poetaço. Por sorte minha pintou no pedaço outro amigo e com o violão, é o nosso sersteiro, quando ele sentou pedi que cantasse "A Volta do Boêmio", depois de tomar uma lapadinha o cara cantou. Foi acompanhado por todo um coro desafinado, emendou com A Flor do meu Bairro, Escultura, Doidivana, Argumento, Devaneio, A Deusa do Asfalto... No final quando o seresyteiro foi mijar, os intelectuais começaram a admitir q que Adelino era mesmo um grande poeta.