Do outro lado
Ontem assisti ao programa Roda Viva em que Marília Gabriela estava em um papel diferente do habitual: o de entrevistada. Não precisava nem falar, o seu corpo falava por ela sobre seu desconforto ao estar do lado oposto da função até então exercida. Porém ela mesma nos 5 minutos do primeiro tempo entregou o jogo. Um dos entrevistadores agradeceu pela entrevista que aconteceria e ela soltou: para mim é um desconforto.
Golaço. Sem chance de impedimento.
A verdade estava acessível para ela e para todos nós. E a reflexão também: quem somos nós do outro lado? Quem somos quando nos colocamos, ás vezes na prática e ás vezes utilizando a empatia, no lugar daquele que observamos, cuidamos,julgamos ou esperamos por algo?
Nesta procura por respostas que preencham o vazio que a pergunta deixa, corajosamente vamos olhando para o outro lado da gangorra que carrega em cada outro um pedaço de nós mesmos. É a chance de ouvirmos o que a vulnerabilidade tem a dizer.
Quem é o médico que também é o paciente?
Quem é o psicólogo que também é o cliente?
Quem é o pai que também é o filho?
Quem é o professor que é também um aluno?
Quem é o ser humano que também é uma apenas uma peça no tabuleiro de xadrez?
É um exercício de flexibilidade, este de trocar posições diante das jogadas da vida. E acredito que este exercício seja uma ponte que nos aproxima da realidade. A realidade que nos ensina que nossos papéis são facilmente desmanchados com algumas gotas de chuva. Não só porque são frágeis, mas principalmente porque os rótulos ou definições não nos pertencem. Estamos à mercê de um vento que nos conduz e talvez, por não enxergarmos, achamos que estamos no controle.
Na complexidade da pergunta:
O que você faz? Tentamos rapidamente oferecer uma segurança como resposta e assim acabar com nosso próprio desconforto.
Sou psicóloga. Sou médico. Sou dona de casa. Como se fizéssemos somente isso. Sou de alguma definição que na verdade não me representa. É apenas um pedaço.
Diante destas mudanças climáticas é importante que reconheçamos e aceitemos nossos desconfortos. Eles denunciam nossa vulnerabilidade, independente se a aceitamos e admitimos ou não.
Esta autopermissão que nos damos ou nos tiramos de estar em lugares diferentes, mesmo habitados por nós mesmos, ás vezes por demandas da vida e ás vezes por nossas próprias, é o que faz a gente se refazer sempre com um aprendizado a mais.
Porém, não precisamos aceitar todo desafio que nos lançam. Apenas aqueles que nos farão desconfortávelmente melhores.
Abraço
Fernanda Nunes Gonçalves