Lição canina

Seria naquele fim de semana. Já tinha ajeitado a caixa de papelão alguns dias antes. Como me desfazer dos filhotes que vi nascer e já faziam parte da família? Razões para justificar a atitude radical não faltavam: a cachorrada se tornara inconveniente ao extremo. Tripudiavam qualquer tentativa de contenção mais enérgica. Tudo o que encontravam pela frente era alvo certo para os afiados caninos de leite, que variavam de calçados a roupas, vassouras, pés de mesa, flores, enfim, vivenciaram com plenitude a inquietante fase oral. Da ninhada de sete, três tiveram a sorte de serem doados ainda filhotes para quem lhes dedicasse carinho e atenção. Os demais, já um tanto crescidos ficaram com a mãe, que sofria demasiadamente com o assédio ininterrupto do quarteto da bagunça.

Os incômodos não se restringiam somente a baderna costumeira. As vasilhas de alimentação tinham que ser repostas frequentemente e o resultado não poderia ser outro: as “lembranças” acumulavam-se aos montes. O esforço e a dedicação em acostumá-los a usar apenas um espaço reservado àquelas particularidades foram inúteis. A recepção aos visitantes (apesar dos avisos constantes de “perigo, área minada”) era premiada com sorrisos, apertos de mão e algumas engraxadas certeiras, o que causava constrangimentos.

A razão enfim, falou mais alto. Um por um foram colocados na caixa com a certeza de que não voltariam mais. Sobrou até para a prolifera matriarca, designada especialmente para a quase impossível missão de proteger sua desfalcada prole em outras paragens, inserida no último instante para a lista dos deportados. A viagem ao destino final dos agora ex-protegidos foi dolorosa e a saudade já se fazia presente. Tive o ímpeto de trazer a tropa de volta, mas a determinação imperou naquele momento. Afinal, eram apenas cães e seriam confiados a uma família disposta a lhes promover o bem estar em local adequado, requisitos básicos que não tiveram com seu primeiro dono.

Nunca imaginei que uma simples atitude me traria tanta tristeza, apesar da necessidade em se manter a casa e adjacências com certa higiene. O silêncio predominante agora incomoda. A paz voltou a reinar, com todos os seus ônus. É frustrante quando pagamos um alto preço por determinadas atitudes.

Meses depois, eis que encontro em plena rua a progenitora canina, latindo com todas as suas forças ao reconhecer o carro. Decidi reconduzi-la ao antigo lar, de onde espero nunca mais retirá-la. Daquele dia em diante mudei radicalmente minha opinião sobre os cães. Agora acredito que eles possuem emoções, como qualquer ser humano. E que a expressão “o melhor amigo do homem” é deveras verdadeira. Seja na alegria da simples companhia ou na fidelidade demonstrada no dia a dia. Aprendi que eles têm o poder de mostrar o quanto somos insensíveis e impregnados de orgulho. Que carregamos diuturnamente o inexplicável sentimento de superioridade. A lição recebida foi assimilada, mesmo porque não tenho como mudar o passado. E assim, Deus mostra toda nossa insignificância perante os seres que colocou nesse mundo.