Médico

Eu sempre quis ser médico. Desde criança. Lembro de brincar de ser um com meus amigos, usando bonecos como pacientes, depois nós mesmo. A curiosidade do corpo daí descambou em encontros hormonais adolescente, todo mundo naquela fase de conhecimento. Naquela época, pensando bem, não sabia ao certo o porque de querer ser médico, apenas queria porque parecia ser algo muito bom. Meus médicos estavam sempre felizes, meus pais falavam muito bem deles e os respeitavam. Naturalmente, me impressionava todo aquele aparato clinico, a imponência do jaleco, a estrutura do consultório, a serventia das secretárias. O médico só podia estar acima dos demais.

Na minha juventude, eu já tinha essa ideia mais bem formada. Ser médico era uma ideologia. Ser médico era salvar vidas, era ter poder sobre a morte. Era poder banir, com o cajado da ciência, a encarnação do inevitável, que assola os homens desde eras magistrais. Existe algo de atrativo nisso, assim como um físico se vê excitado como um elétron, um professor se sente motivado ao ver um aluno empenhado, eu me via sendo um médico que ficaria entusiasmado em resolver casos cabulosos, fazer cirurgias mirabolantes e complicadas, receitando remédios milagrosos. Posteriormente essa ideia foi trocada por uma mais madura e sem graça. Ser médico era ter um emprego bom, rentável e estável. Era muito dinheiro, falando a verdade. Pra viajar, pra ter uma família bem organizada, uma boa educação pros filhos. Era aquela bateria que sempre quis e muito mais. Era ter uma gama de oportunidades durante a faculdade, como palestras, congressos, além de ser um curso desafiador. Gostava de desafios.

Mas veja você, como a vida é. Fiz engenharia. Pressão de família, mercado crescendo, mais fácil de passar no vestibular, batia com minhas notas em exatas, sempre altas. Concluí o curso com certa facilidade, mas sabia que não era aquilo. Sempre me lembrava daquela criança fingindo dar uma injeção no Max Steel e levando a Barbie internada. Correndo atrás das meninas, fingindo que era um médico atrás de pacientes irreverentes. Com o tempo esse pensamento foi se esvaindo, dando lugar a derivadas parciais. Até um tempo que não pensava mais nisso, a não ser com certa nostalgia aonde havia pesar no coração.

Quando já estava idoso, tive que ser prontamente internalizado. Eu fui entubado e o médico me tratava com cuidado extremo. Parte de mim sabia que boa parte daquilo era por questões de classe e de dinheiro, era rico e importante de onde vinha. Mas uma parte de mim, antiga e infantil enxergava naquele médico jovem com idade de ser meu neto, o brilho daquele desejo juvenil. Ou pelo menos, queria enxergar. Olhava pra ele com ternura e tentava me imaginar ali, cheio de vitalidade em outra ocasião, cuidando das ultimas de um senhor. Certamente era uma ideia que me agradava. Fechei os olhos e guardei essa memoria criada no fundo de mim. Imaginei a minha criança satisfeita sorrindo, indo finalmente poder descansar. Era hora de me sedar. Eu já me sentia confortavelmente zonzo.

Adriano Santos de Sousa
Enviado por Adriano Santos de Sousa em 19/05/2015
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