Cafezinho
O dia prometia. Sol de verão derretendo o asfalto, o trânsito a passo de tartaruga, as vagas engolidas pela imensidão de para-brisas, a cabeça latejando pela noite mal dormida, a preocupação com as contas vencidas. Mas ele precisava dar um jeito. O dinheiro já havia acabado e o mês ainda estava pela metade. Pensava na viagem prometida à esposa e nos livros caros dos filhos. O bolso estufado de boletos indicava que os compromissos assumidos esperavam por uma resolução. Para ontem, aliás. Depois de algumas voltas pelo quarteirão conseguiu, com muito custo, enfiar o veículo num espaço apertado. Saiu rapidamente sem colocar o cartão do estacionamento, que naquele momento pouco importava. Caminhou apressado, pensando numa maneira de convencer o gerente da agência bancária a lhe conceder um empréstimo de emergência, mesmo com o saldo da conta corrente no vermelho há muito.
Acompanhou pacientemente o ponteiro do relógio em sua volta completa para finalmente ser atendido. Fez cara de tristeza, exibiu uma aparência preocupada, prometeu restringir o uso do cartão de crédito, aceitou prontamente o seguro de vida “oferecido” pelo banco para finalmente ouvir a boa notícia: seu pedido fora autorizado. Nem quis saber das taxas de juros estratosféricas ou da longevidade das parcelas. O que ele queria mesmo era pagar as contas atrasadas.
Agora o homem já se sentia mais aliviado, momentaneamente sem o peso da angústia nos ombros. O estômago vazio roncava pedindo atenção, pois fora colocado obrigatoriamente em segundo plano. A preocupação voltou-se para o carro deixado na rua. De longe avistou um policial de trânsito com seu bloco de multa nas mãos. Pensou em passar ao largo, dar um tempo e ignorar a situação, mas tinha outros compromissos. Disfarçou o quanto pôde fingindo falar ao celular enquanto se aproximava do veículo. Tremeu ao ouvir uma voz questionando a propriedade do automóvel, apontado com o dedo em riste. Hesitou por alguns instantes, tempo necessário para tentar alguma saída honrosa.
Sentiu um aroma agradável de café fresco que vinha da panificadora em frente e logo colocou em prática sua desenvoltura argumentativa, sem deixar de repetir a cena representada ao gerente do banco. Cabisbaixo, desfiou uma por uma suas dificuldades, acrescentando exageradamente detalhes com o intuito de comover a autoridade ali presente. Certo de que seu teatro fora convincente o suficiente, cometeu o último erro quando inadvertidamente convidou o policial a tomar um cafezinho. Quase acabou preso, o carro levou uma multa por estacionamento irregular e ouviu poucas e boas por sua petulância. Irritou-se com o controle remoto do alarme que não funcionava mais. Nem poderia, pois estacionara seu veículo do outro lado da avenida. Resolveu então experimentar o bendito cafezinho sem pressa, devidamente acompanhado por um merecido sanduíche natural. Dinheiro na conta, carro sem multa e barriga cheia. Sorriu ao lembrar que apesar de tudo, o dia não havia sido tão ruim assim.