Enxurrada

Chuva forte. A enxurrada passa de calçada a calçada, arrasta folhas, galhos, garrafas plásticas. Quando éramos pequenos, adorávamos brincar na chuva. Atirávamos todo dipo de objetos na enxurrada só pra ver a água levá-los embora com força. Primeiro, barquinhos de papel, depois, brinquedos velhos, carrinhos quebrados, qualquer coisa chata ou sem importância ia parar na enxurrada. E ela levava.

Chuva forte com moleque era sempre alegre e barulhenta, não tinha só som de água caindo e passando: tinha risada, gritaria e palavrão sobre objetos fugidios na enxurrada. Vez em quando passava uma criança gargalhada na enxurrada. Infância fugidia.

Chuva forte, hoje, é seca, vista da janela. A enxurrada é solitária, cheia só de água – e só leva o que encontra, porventura, pelo caminho; não leva as coisas chatas e sem importância da vida adulta. Ah! Como seria bom jogar na enxurrada e ver a água levar embora, com força, toda tristeza e solidão.