A ARROGÂNCIA NA ARTE DE BATER CARTEIRAS

Nunca antes das quatro da tarde encostava táxi, sempre o mesmo, um fusca, o motorista abria a porta e Bastião descia. Seu Osvaldo já esperava-o com o uniforme do time numa das mãos e as chuteiras e os 100 contos na outra. Bastião olhava para os lados e passava entre os arames farpados do parque e ia para atrás das moitas preparar-se para o jogo. Seu Osvaldo além de roupeiro também era tesoureiro do time, pagava o táxi, certamente a vinda e a ida. A volta das moitas era constrangedora, pelo menos no semblante de quem sempre exigente, de calça com frisos bem vincados, nada amarrotado, sapatos super engraxados, pés sem meias e cabelos sempre bem aparados, era ultrajante trocar-se atrás de moitas.

Seu Osvaldo então recebia as vestes e entregava ao motorista que as colocava num cabide, e fechava a porta deixada escancarada. As vezes o táxi ficava, outras partia e depois voltava.

Todos já estavam em campo aquecendo, quando Bastião cumprimentava-os meio sem vontade, mas sem antes ter dado um abraço em Seu Antonio o dono do time.

O time era parelho e todos jogavam bem para um time varzeano que nunca desejou disputar campeonatos mais importantes, além de torneio e partidas amistosas. Quase todos recebiam uma mesada que de longe as vistas identificavam entre 50 e 100 contos. Poucos eram do bairro. Bastião talvez com 1,90 m, jogava de centroavante fazendo muitos gols

de cabeça, guardava alguma semelhança física com Marião, jogador que substituiu Figueroa em 1977, no Internacional, mas só a aparência.

Papai sempre dizia:

- Este cara é ladrão! - nunca perguntei o porquê da afirmação, mas ele tinha lá suas razões, talvez porque tivesse trabalhado 30 anos no Centro de Porto Alegre onde à época eram comuns os furtos com destreza, quase sempre praticados por indivíduos bem trajados.

Num dia de semana, próximo as 14 horas, Bastião subiu na primeira parada da avenida Oscar Pereira e passou a roleta, do outro lado observava sutilmente todos os passageiros até encontrar a vítima, um homem comum que carregava a carteira no bolso esquerdo de trás, com destreza aproveitava os solavancos para com dois dedos furtar-lhe a carteira que foi colocada num bolso interno da jaqueta. Foram duas paradas e ele encaminhou-se para descer, quase no ponto acionou a campainha e entre as pessoas aproximou-se da porta dianteira, tropeçando o tornozelo num pé incauto que vinha logo atrás e assim despencou-se lá de cima só parando no chão com parte do rosto atarraxada na calçada, enquanto o motorista fechava a porta e arrancava o coletivo.

No domingo ele desceu do táxi com uma escoriação enorme na lateral do rosto acompanhado da mesma arrogância e foi para o jogo.

ItamarCastro
Enviado por ItamarCastro em 16/05/2015
Reeditado em 16/05/2015
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