Chatice

Estou querendo parar de escrever... Pelo menos, por uns tempos. Até que voltem as cores que antes havia em minhas idéias, quando eu conseguia falar de coisas bonitas com tanta naturalidade, que até eu me espantava. Ultimamente, tenho sido chata. Estou vivendo uma fase de instrospecção, onde de repente voltei para dentro de mim mesma, e estou vendo tudo em preto e branco. Tenho visto o mundo com olhos tristes. Tenho sentido muita angústia ao analisar a vida. A dor tem dominado meus sentimentos, essa dor que engaiolou o mundo e nos deixa entrever o outro através de grades invisíveis. Mas a dor está lá. Dor de medo, de inconformismo, de revolta, de decepção... Dor de tudo. E se me dói, eu me fecho dentro dela e é só disso que eu falo. Por isso estou me sentindo chata. Ninguém quer saber de lamúrias. O mundo do faz de contas é muito mais bonito e mais fácil de ser imaginado. Mas não quero saber de faz de contas. Vivemos há muito nessa fantasiosa ilusão de que estamos mudando, crescendo, evoluindo... Mas isso é só nas aparências. Por dentro estamos cada vez mais frios, mais sós, mais distantes, mais tristes. Olha aí, eu e a angústia de novo, me fazendo ainda mais chata nesses devaneios. Fazer o que? Isso está estampado em todo lugar por onde a gente passa. E no caminho o que se vê são pessoas alheias ao mundo e ligadas por um celular que não abandonam nunca. A vida pode estar acenando diante dos seus olhos, mas eles só veem o que está na telinha, numa fuga virtual onde todos fingem que se conhecem, que dialogam, que se importam e que fazem parte. Não fazem...

De repente, entre um noticiário e o outro, é só a morte que se anuncia. São protestos que não mudam nada, bandidos de máscaras de um lado e de farda do outro, e mais um faz de contas sendo escrito a cada dia, para encobrir as sujeiras que a nossa realidade gosta de encobrir. Parece que o brasileiro gosta de ser enganado. É enganado na política, nas promessas, na indiferença de quem deveria estar cuidando do bem coletivo e de repente só investe no seu patrimônio individual. Assim, descaradamente, numa escalada social vertiginosa para o alto que a gente vê todos os dias, mas que a justiça, tão cega, coitada, nunca vê. Mas olha aí, a minha chatice de novo. Ninguém quer ouvir falar nada disso, é melhor fazer de contas que isso não existe por aqui. Assim como acreditar que não existe mais miséria, mais fome, mais abandono desse povo sofrido que a gente finge que não vê espalhado por aí. O individualismo nos faz olhar só para a frente quando melhoramos um pouquinho de vida e a imagem do outro minguando o pão não nos alcança mais a vista. Às vezes dói muito olhar para trás. É assim com muitos, como o caso dos médicos que estendem as mãos como Hipócrates e esquecem o juramento na primeira esquina. Mas eu já falei disso, que chata que eu sou...

É por isso que não estou mais querendo escrever. A história que agrada aos olhos não é essa, o reflexo do hoje que vivemos não deveria ser esse. Mas infelizmente é esse o retrato que entra pelas nossas salas todos os dias. Violando nossa paz, nosso sono e nossos sonhos. E eu, que tenho essa teimosia em ter as antenas ligadas para o mundo, não consigo viver alienada da impressão que ele nos passa. É por isso que vejo tristeza no sorriso de tantos, medo no olhar de todos, solidão no silêncio de muitos. E eu lá no meio. Sentindo tudo isso e me sentindo inútil por não fazer nada ou por não ter nada a fazer para mudar as coisas. E ainda por cima, ter isso tudo martelando em minha cabeça quando quero escrever. É por isso que não quero. E se escrevi, foi sem querer... Vou me dar um tempo, para aprender a fazer histórias de faz de contas de novo. Prometo! Mesmo que as coisas piorem, na próxima vou buscar uma inspiração cor de rosa para enfeitar essas páginas. Nem que eu tenha que ir buscá-la nas estrelas...

maria do rosario bessas
Enviado por maria do rosario bessas em 16/05/2015
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