Se

Às vezes me pego dialogando comigo mesma, frente ao espelho, como se dividida em duas... São duas imagens de mim que se confrontam diante de meus medos, minhas angústias e dúvidas diante da efemeridade da vida. Uma metade de mim quer ser otimista, acreditar que está tudo bem, que a vida tem sido boa para mim com o seu açoite me batendo bem de leve, sem deixar marcas muito profundas. Mas a minha outra metade, mais exigente e radical me chama à razão, critica minhas vontades, aponta para as minhas rugas que insistem em aparecer, mostram as raízes brancas do meu cabelo que a tinta não foi capaz de esconder, e sem dó nem piedade, ri das minhas celulites escondidas sob a roupa, dos meus pneuzinhos camuflados e me põe lá no chão, arrasada com a sua perversidade. Eta metadinha maldosa que eu fui arrumar. Ficamos assim, por longos momentos tentando entrar num acordo, e felizmente, a minha metade piedosa, otimista e de bem com a vida, quase sempre vence.

A vida é assim, nem sempre agimos da mesma forma todos os dias. O que hoje nos faz feliz, amanhã pode machucar, encher nossa história de sombras. Nada é imutável ou eterno nesse mundo. À medida que vamos amadurecendo, vamos selecionando nossos amigos, nossos gostos e nossos sonhos. O que às vezes parecia ser a razão de nossa vida, de repente perde o sentido, deixa de ser, fica esquecido e a gente abraça outros sonhos, busca outros caminhos, descobre que aquilo que tanto buscamos, na realidade não valeu a pena, não nos trouxe felicidade. Ainda bem que a vontade e a coragem sempre são nossas companheiras e nos apontam outros rumos, outras razões para seguir em frente. Ou para o lado, quem sabe, para onde houver uma estrela cativando o nosso olhar. O importante é que continuamos, apesar de tudo.

Outro dia, estava vendo alguns depoimentos de pessoas que deram uma guinada radical na vida. Empresários, executivos, pessoas bem sucedidas na vida, que após anos de uma vida estressante nas grandes cidades, jogaram tudo para o alto e foram viver em refúgios na natureza, numa casinha na praia, em pequenas pousadas onde a simplicidade, a paz e o silêncio agora são as suas companhias. Todos são testemunhas vivas de que a felicidade não está na riqueza acumulada, no sucesso espetacular na carreira e nem na vida atribulada que oferece tudo , mas não lhe deixa tempo para nada. Optaram por ter apenas o suficiente para viver, uma paisagem de fazer inveja e uma rede preguiçosa pra deitar. E todos me pareceram extremamente felizes. Cheguei a ver estrelas nos olhares quando relatavam suas aventuras.

Tive uma experiência assim com uma amiga. Como a maioria dos jovens do interior, foi para BH onde se formou. Voltou para a cidade de origem e resolveu ser professora. Pessoa de uma inteligência incomparável, uma cultura inestimável, de repente se viu às voltas com uma safra de alunos que não queria saber de nada, totalmente indiferentes aos seus tesouros históricos e literários que ela domina como ninguém. Frustou-se. E como é natural, resolveu pegar o caminho da cidade grande de volta. Mas de repente, o ritmo louco dos grandes centros já não soavam como música nos seus ouvidos como nos tempos da juventude, das turmas animadas e das noites agitadas. Foi então que descobriu que o seu lugar era lá de onde ela viera, com seu cheiro de mato, suas ruas pacatas (ou quase), os amigos da infância e a família por perto, em qualquer circunstância. E voltou para a sua escolinha do interior, onde agora é feliz, amada e respeitada por todos. Como ela mesma me disse, não sabia que a felicidade estava ali, tão pertinho. E isso acontece com muitas pessoas.

Algumas têm o privilégio de descobrir isso cedo o suficiente para aproveitar a vida, serenar a alma, viver em paz e em equilíbrio com o meio e as pessoas, numa troca constante de felicidade. Outros, infelizmente só descobrem isso no outono da vida, quando não dá mais tempo para nada, a não ser lamentar as escolhas erradas durante a vida. E fica o “se” no meio da frase, um nó no meio da vida e um vazio enorme no meio dos sonhos. Ah... se eu soubesse, se eu pudesse, se ainda tivesse tempo...

maria do rosario bessas
Enviado por maria do rosario bessas em 16/05/2015
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