Na minha sala de aula
Na minha sala de aula tem paredes sujas, escritas ou pichadas e com marcas de pés. Chão gasto, envelhecido. Marca do tempo na janela, ambiente cru e nada inspirador. Na minha sala de aula há trinta alunos enfileirados e potenciais adormecidos, ignorados ou esquecidos. Na minha sala de aula há dezenove ouvintes e onze surdos – um ouvinte e um surdo com deficiência intelectual, um surdo com deficiência motora e intelectual, um surdo com deficiência intelectual e uma síndrome que não me falaram o nome, um surdo com depressão, um ouvinte que apanha do pai, um ouvinte cujo pai está preso, um ouvinte que cansou de escutar críticas, um ouvinte que luta contra a timidez, outro ouvinte que tem TDAH – é o que dizem. Vários ouvintes que preferiram rotular como normais, pois dá trabalho essa tal de individualidade. Todos juntos para eu dar conta em dois tempos de aula semanais.
Na minha sala de aula tem janelas que não fecham, boquinhas que não calam, até mesmo aquelas que não falam. Na minha sala de aula há trinta pares de olhares diferentes – alegres, distantes, desiludidos, radiantes, vazios e opacos, talvez desacreditados, e muitos mais olhares que se multiplicam e mudam dia após dia. E há janelas da alma escancaradas, abertas, semiabertas, com uma pequena fresta, fechadas, trancadas e enferrujadas, difíceis de se abrirem.
Na minha sala de aula tem o descaso com a educação, a ausência de políticas públicas realmente inclusivas e a tentativa de dar conta dos problemas que vão além dos meramente pedagógicos com um pedaço de giz e um quadro – ou mesmo uma caneta e quadro branco. E há crianças de dez anos com os adultos-crianças de dezesseis a vinte e um. Há os que se esforçam em aprender a língua do outro e os que apenas ignoram por razões bem variadas. Na minha sala de aula há duas turmas, pelo menos. E não adianta acusarem sem entrarem aqui e mostrarem como transformá-la em uma só.
Na minha sala de aula há a presença da família do aluno surdo que, segundo dizem, até parece ouvinte. E a ausência da família do ouvinte que vai para a escola cumprir a sua obrigação. Tem a presença da família que não trata seus filhos como coitadinhos. E daqueles que, apesar de seus filhos terem vinte anos, sequer aprenderam Libras para se comunicar com eles.
Na minha sala de aula tem trinta carteiras rabiscadas. São desenhos, colas de prova, anotações e um emaranhado confuso. E há uma diversidade de histórias das famílias que estão na sala de aula apesar de nunca aparecerem por lá – para dar um bom-dia, para compartilhar das alegrias, para saber de seu filho. E que deixam marcas indeléveis em cada um que está naquelas carteiras. Às vezes, num emaranhado confuso e dolorido.
Na minha sala de aula tem quarenta carteiras, trinta alunos, uma professora que não sabe Libras, uma ou duas intérpretes que não sabem inglês, alunos surdos que não sabem muito bem o português e nem dominam os sinais da Libras, alunos ouvintes que não foram plenamente alfabetizados, uma aluna com deficiência intelectual que não sabe nem uma coisa nem outra, mas que tem jeito para a música, centenas de questionamentos, dois tempos de aula – um antes e outro depois do recreio.
Na minha sala de aula tem o tempo cronometrado, uma hora e quarenta, uma vez por semana e o tique-taque incessante de minhas reflexões agoniantes. Será que vai dar? O que vou fazer? Qual é a mágica para fazê-los aprender? Dois tempos de aula, quase nada. Dois tempos de aula, em disparada. Dois tempos de aula, para alfabetizar, ensinar inglês, revisar Libras, fazer trabalhos criativos, dar aula interessante (ou não!), garantir a inclusão, não atrasar ninguém, não correr demais, fazê-los ler criticamente, trabalhar as quatro habilidades com os ouvintes, mostrar linguagens de sinais de língua inglesa para os surdos, mas sem esquecer que o foco para eles é leitura e escrita ou vou enlouquecer, incluir tecnologias digitais para todos, fazer chamada, anotar no diário, acompanhar cadernos, tirar dúvidas, entender angústias, socorrer aflitos, ouvir casos e histórias, falar de cultura, trabalhar a cidadania, não esquecer o projeto da escola e, se der, os temas transversais, aplicar provas, testes, deixá-los criar, seguir o livro (o que dá), adaptar atividades para cada grupo, suspirar em agonia, agonizar a cada segundo com uma lista infinda dos deveres do professor. Em apenas dois tempos de aula.
Na minha sala de aula há resquício de esperança. Talvez pela teimosia de tantos que têm uma sala de aula assim e insistem em fazer material didático e comprar equipamentos não disponíveis nas escolas com seu dinheiro; ler e estudar no seu tempo livre para fazer melhor; buscar atingir a cada aluno individualmente, ainda que cinco minutos para cada um. Virar noites estudando, corrigindo, refletindo, preparando e vários outros verbos no gerúndio constante do fazer docente comprometido.
Na minha sala de aula há o microcosmo da sociedade. E não me conformo em apenas ignorar aqueles que fogem das médias estatísticas, apesar da minha ignorância em tantos aspectos, apesar de tudo isso que eu listei acima – e o que não listei por falta de espaço, tempo e memória agora. Prosseguimos em nossas salas de aula com tantos e tantos pesares e “apesares” que rondam a educação.
Na minha sala de aula tem paredes sujas, escritas ou pichadas e com marcas de pés. Chão gasto, envelhecido. Marca do tempo na janela, ambiente cru e nada inspirador. Na minha sala de aula há trinta alunos enfileirados e potenciais adormecidos, ignorados ou esquecidos. Na minha sala de aula há dezenove ouvintes e onze surdos – um ouvinte e um surdo com deficiência intelectual, um surdo com deficiência motora e intelectual, um surdo com deficiência intelectual e uma síndrome que não me falaram o nome, um surdo com depressão, um ouvinte que apanha do pai, um ouvinte cujo pai está preso, um ouvinte que cansou de escutar críticas, um ouvinte que luta contra a timidez, outro ouvinte que tem TDAH – é o que dizem. Vários ouvintes que preferiram rotular como normais, pois dá trabalho essa tal de individualidade. Todos juntos para eu dar conta em dois tempos de aula semanais.
Na minha sala de aula tem janelas que não fecham, boquinhas que não calam, até mesmo aquelas que não falam. Na minha sala de aula há trinta pares de olhares diferentes – alegres, distantes, desiludidos, radiantes, vazios e opacos, talvez desacreditados, e muitos mais olhares que se multiplicam e mudam dia após dia. E há janelas da alma escancaradas, abertas, semiabertas, com uma pequena fresta, fechadas, trancadas e enferrujadas, difíceis de se abrirem.
Na minha sala de aula tem o descaso com a educação, a ausência de políticas públicas realmente inclusivas e a tentativa de dar conta dos problemas que vão além dos meramente pedagógicos com um pedaço de giz e um quadro – ou mesmo uma caneta e quadro branco. E há crianças de dez anos com os adultos-crianças de dezesseis a vinte e um. Há os que se esforçam em aprender a língua do outro e os que apenas ignoram por razões bem variadas. Na minha sala de aula há duas turmas, pelo menos. E não adianta acusarem sem entrarem aqui e mostrarem como transformá-la em uma só.
Na minha sala de aula há a presença da família do aluno surdo que, segundo dizem, até parece ouvinte. E a ausência da família do ouvinte que vai para a escola cumprir a sua obrigação. Tem a presença da família que não trata seus filhos como coitadinhos. E daqueles que, apesar de seus filhos terem vinte anos, sequer aprenderam Libras para se comunicar com eles.
Na minha sala de aula tem trinta carteiras rabiscadas. São desenhos, colas de prova, anotações e um emaranhado confuso. E há uma diversidade de histórias das famílias que estão na sala de aula apesar de nunca aparecerem por lá – para dar um bom-dia, para compartilhar das alegrias, para saber de seu filho. E que deixam marcas indeléveis em cada um que está naquelas carteiras. Às vezes, num emaranhado confuso e dolorido.
Na minha sala de aula tem quarenta carteiras, trinta alunos, uma professora que não sabe Libras, uma ou duas intérpretes que não sabem inglês, alunos surdos que não sabem muito bem o português e nem dominam os sinais da Libras, alunos ouvintes que não foram plenamente alfabetizados, uma aluna com deficiência intelectual que não sabe nem uma coisa nem outra, mas que tem jeito para a música, centenas de questionamentos, dois tempos de aula – um antes e outro depois do recreio.
Na minha sala de aula tem o tempo cronometrado, uma hora e quarenta, uma vez por semana e o tique-taque incessante de minhas reflexões agoniantes. Será que vai dar? O que vou fazer? Qual é a mágica para fazê-los aprender? Dois tempos de aula, quase nada. Dois tempos de aula, em disparada. Dois tempos de aula, para alfabetizar, ensinar inglês, revisar Libras, fazer trabalhos criativos, dar aula interessante (ou não!), garantir a inclusão, não atrasar ninguém, não correr demais, fazê-los ler criticamente, trabalhar as quatro habilidades com os ouvintes, mostrar linguagens de sinais de língua inglesa para os surdos, mas sem esquecer que o foco para eles é leitura e escrita ou vou enlouquecer, incluir tecnologias digitais para todos, fazer chamada, anotar no diário, acompanhar cadernos, tirar dúvidas, entender angústias, socorrer aflitos, ouvir casos e histórias, falar de cultura, trabalhar a cidadania, não esquecer o projeto da escola e, se der, os temas transversais, aplicar provas, testes, deixá-los criar, seguir o livro (o que dá), adaptar atividades para cada grupo, suspirar em agonia, agonizar a cada segundo com uma lista infinda dos deveres do professor. Em apenas dois tempos de aula.
Na minha sala de aula há resquício de esperança. Talvez pela teimosia de tantos que têm uma sala de aula assim e insistem em fazer material didático e comprar equipamentos não disponíveis nas escolas com seu dinheiro; ler e estudar no seu tempo livre para fazer melhor; buscar atingir a cada aluno individualmente, ainda que cinco minutos para cada um. Virar noites estudando, corrigindo, refletindo, preparando e vários outros verbos no gerúndio constante do fazer docente comprometido.
Na minha sala de aula há o microcosmo da sociedade. E não me conformo em apenas ignorar aqueles que fogem das médias estatísticas, apesar da minha ignorância em tantos aspectos, apesar de tudo isso que eu listei acima – e o que não listei por falta de espaço, tempo e memória agora. Prosseguimos em nossas salas de aula com tantos e tantos pesares e “apesares” que rondam a educação.