Meus vizinhos de quarto

Primeiro teve uma moça que trazia o namorado para dormir com ela – e, como os quartinhos são muito próximos uns dos outros, escutávamos tudo o que eles faziam na sua intimidade. No quarto ao lado morava um rapaz carioca, que trabalhava no Banco do Brasil. São três quartinhos, nos fundos de uma casa, e eu fui o primeiro a me mudar para lá. Nessa época não podíamos tomar banho ao mesmo tempo, sob pena de derrubar a energia elétrica da casa toda. Nem sempre conseguíamos, pois acordávamos mais ou menos no mesmo horário. Nesses casos, os dois inquilinos, ensaboados embaixo do chuveiro desligado, gritavam pela ajuda do terceiro – torciam, é claro, para que ele estivesse em casa. Este tinha então a missão de ir procurar a dona da casa, às vezes ainda dormindo, para que ligasse a luz novamente. Foi assim durante alguns meses, e isso constituiu nossos maiores momentos de interação.

Depois a dona da casa começou a se incomodar com certos gemidos e a moça teve que sair. Veio então um senhor, provavelmente já avô, que gostava de fazer piadas, com o inconveniente de que ninguém achava muita graça. Algum tempo depois o rapaz do banco foi transferido e se mudou também. Eu estava em viagem e quando voltei não o encontrei mais. Para o seu lugar veio uma moça que, algum tempo depois, eu descobri serem duas. Aparentemente, eram namoradas. Uma vez, durante uma crise existencial que atravessou as paredes, elas me perguntaram se podiam me ajudar em alguma coisa. Não vi quando elas se mudaram, assim como não vi quando o senhor das piadas foi embora.

Em seguida teve início a formação clássica, ou, pelo menos, a que durou mais tempo nos três quartinhos. Primeiro veio um rapaz musculoso que trabalhava como segurança. Eu o escutava levantar bem cedo para fazer academia. Torcia pelo Flamengo e, certa vez, durante um dia de jogo, vieram ver o quartinho das duas moças, que já estava vago. O negócio já estava quase fechado quando o meu vizinho soltou um baita grito de gol. Mesmo assim, a moça ficou com o quartinho. Era uma moça bem inteligente que estudava dia e noite para um concurso no Itamaraty. Um dia a encontrei despejando toda a história da humanidade em cima do vizinho flamenguista. Gostava de conversar, mas achava Brasília meio hostil.

Depois que os dois se mudaram, ninguém ficou muito tempo nos quartinhos. Houve um senhor que não fazia outra coisa senão ver televisão. Houve o casal que tinha um carro cuja luzinha do alarme piscava no meu quarto. Houve uma alta funcionária dos Correios que veio depois que o seu antigo quarto pegou fogo. Houve um senhor que não pagava o aluguel e que foi embora na Véspera de Natal. E atualmente há dois senhores, também homens de banco, sendo que um deles acorda às cinco da manhã.

Só eu permaneço, só eu continuo morando aqui esse tempo todo. Estranho jeito de morar, tão perto de quem nos é estranho! Escuto todas as conversas telefônicas dos vizinhos e tento não pensar que eles também escutam as minhas. E, no entanto, não é muito aquilo que sabemos da vida uns dos outros. Ninguém conhece a minha atividade de cronista, por exemplo. Ainda bem: do contrário, eu não conseguiria escrever nada sobre eles.

Henrique Fendrich
Enviado por Henrique Fendrich em 15/05/2015
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