A inquietação do besouro rola-bosta

Cerca de cem besouros de carapaça preta vivem no pasto de uma enorme fazenda de gado Nelore no norte de Minas, aparentemente felizes. Desde que entraram na fase adulta, há mais ou menos três meses, só fazem uma coisa: pelotas de esterco, que eles rolam até suas casas, utilizando as patas traseiras, enterram e depois põem nelas seus ovos (suas larvas são coprófagas, ou seja: alimentam-se de fezes). São extremamente úteis, pois contribuem para a aeração do solo e diminuem a incidência de parasitas, que, presentes nas fezes, morrem quando estas são enterradas.

Um desses besouros, porém, está angustiado, porque por mais que ele saiba que rolar bosta é a única coisa que ele tem que fazer na vida, algo dentro dele lhe diz que há outros horizontes a considerar. Quais, ele não sabe, porque é tão rigoroso com o cumprimento de suas tarefas, que a única coisa que ele vê o dia inteiro é bosta. E à noite, nas poucas horas de descontração do grupo, o único assunto que surge também é bosta: quem fez a maior bola de bosta, quem cavou o melhor buraco para guardar bosta, quem acumulou mais bosta, quem fez a bola de bosta mais bonita, etc. Ele participa das conversas, mas incomodado, como se alguma coisa lhe apertasse o peito sob a carapaça, desviando sua atenção, perturbando sua mente.

Um dia, indo para o trabalho, ele sente sua carapaça se abrir. “Quebrei minha carapaça!”, ele grita desesperado. Cerca de dez besouros se aproximam dele e levam o maior susto com o que veem: sua carapaça aberta, dividida em duas partes, uma para cada lado, e sobre seu abdômen pulsante, horrivelmente exposta, uma espécie de folha seca enrugada, dobrada, cheia de nervuras e filamentos. “Que horror!”, gritam todos, espantados.

O besouro da carapaça partida percebe que é alvo de todas as atenções e se envergonha, pois se sente diferente do grupo, não consegue mais fingir seu incômodo, já que é o próprio incômodo escancarado, o horror de todos. “O que é isso?”, ele pergunta, mas ninguém responde; estão todos muito assustados.

De repente, a folha seca dobrada começa a tremer e os espectadores se afastam, com medo. Um deles grita: “Vamos matá-lo!”.

Ao sentir-se ameaçado, o besouro inquieto concentra suas forças na parte superior do abdômen, quase junto ao tórax, e sente a misteriosa folha seca se abrir – na verdade, duas folhas, uma de cada lado, enormes, cheias de nervuras, transparentes, cor de mel.

Agora ele sabe. “Então é isso”, diz para si. E voa.

Flávio Marcus da Silva
Enviado por Flávio Marcus da Silva em 14/05/2015
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