Um guia muito esperto

Certa vez fui a um passeio na Chapada dos Veadeiros no interior do estado de Goiás nas proximidades de Alto Paraíso. Chegando lá procurei saber como deveria proceder para conhecer as cachoeiras da região. Sempre me diziam que eram belas e fascinantes, por tanto, queria conhecê-las mais de perto. Para isso era necessário contratar um guia, mesmo porque eu não conhecia as perigosas escarpas que desciam dos céus.

No início do percurso estava um cidadão alto e forte que me perguntou:

__ Quem é o seu guia?

__ Ainda não tenho um guia.

Respondi desconfiado.

__ Sendo assim, não poderá entrar.

__ Como não?!

__ A região é muito complicada, cheia de trilhas sem volta.

__ Mas eu não posso voltar já andei muito para chegar até aqui.

__ Bem, posso lhe arrumar um guia não convencional, vocês chegaram fora do expediente normal.

__ Como assim?

__ Ele é...

__ Este deve ser bem mais caro do que os outros, com certeza uma raridade em pessoa.

__ É verdade!

__ Mas quem é esse cidadão misterioso?!

__ É um surdo-mudo.

__ Como?!

__ Isso mesmo, um surdo-mudo.

__ Você está brincando?!

__ Claro que não!

__ Como é que ele vai nos guiar? Certamente teremos muito o quê perguntar e ele não deverá nos atender a contento.

__ É simples, vai ver.

__ Combinado, mande o tal cidadão “falar” comigo. E quanto é que ele cobra?

__ Quarenta reais.

__ Mas é muito caro! Este é o preço que um guia excepcional cobraria?!

__ Converse com ele, quem sabe faz um preço mais camarada?

__ Tudo bem... vamos ver no que vai dar essa “conversa”.

Depois de meia hora o cidadão chegou sorridente, parecia uma gazela que acabara de sair das entranhas da mata. Seus dentes eram uma perfeição, seu rosto, parecia o desenho de um Deus grego, seu andar era meio lento, mas firme e seguro. Estes detalhes me deixaram mais confiante, já fiquei mais tranquilo. Olhei para minha mulher meio reticente. Com um gesto de aprovação ela disse:

__ Tudo bem!

O primeiro problema foi a negociação quanto ao preço do serviço. Não sabia o que fazer para perguntar quanto era o seu trabalho. Sem mais nem menos enfiei a mão no bolso, retirei o dinheiro que tinha, mostrei para ele todas as notas. Ele pegou uma de dez reais, fez um sinal com os dedos de que seriam quatro notas daquelas. De bobo ele parecia não ter nada. Achei muito, até porque ele não falava e nem escutava. Tentei negociar com duas notas. Numa demonstração de descontentamento ele virou as costas. Imediatamente percebi que não havia gostado da minha oferta indecorosa. Mas era preciso negociar. Não podia concordar com ele rapidamente embora soubesse que não havia, naquele momento, outra opção. Ou eu pagava os quarenta reais ou não entrava. Minha mulher sussurrou em meu ouvido:

__ Paga logo, já estamos atrasados.

Mais uma vez ele mostrou a mão com os quatro dedos indicando o valor de quarenta reais. Depois de muita “conversa”, fechamos o negócio em trinta reais. O que me pareceu bom para ambos os lados.

A chapada tem paisagens exuberantes, ricas em vegetação e uma infinidade de cachoeiras perdidas na imensidão das encostas. Descê-las é uma tarefa complicada. Inúmeros degraus entre pedras escorregadias e soltas. É preciso um minucioso cuidado. Uma pisada errada pode significar grandes ferimentos e vários contratempos.

Mas o guia estava lá, prestativo e faceiro, parecia um pinto no lixo de tão festivo. O engraçado é que a nossa “conversa”, mesmo sem que ele falasse ou escutasse, fluía normalmente. Ele entendia tudo que eu falava e eu me esforçava para compreender os seus gestos e gemidos. No final das contas tudo dava certo. Até que ele resolveu me contar uma história que aconteceu quando serviu de guia para uma estrangeira. Imagine um surdo-mudo contador de “causos”, é de lascar lenha verde. Foi difícil entender que ele queria contar a tal história. No início me puxava para longe de minha mulher, nos separavam a todo instante. Segundo ele a história não era apropriada para mulheres, era algo obsceno.

Ele fazia de tudo para que eu entendesse que a mulher não era uma brasileira, mas não havia nada que pudesse me dar uma dica, até que teve a ideia de repuxou os olhos e fazer: hi,hi,hi com os dentes cerrados e a boca entre aberta. Andava de um lado ao outro com passos bem pequenos. Aí foi fácil. Matei a charada. A tal mulher era uma japonesa. Segundo ele, ela chegou trajando roupas coloridas de seda pura, suponho. Ela estava só. Não falava nem gesticulava, apenas ria sem parar.

A história é simples, se pensarmos que nos países desenvolvidos o nudismo é algo corriqueiro. Prática habitual entre algumas famílias.

Segundo ele, quando ela viu uma infinidade de pessoas tomando banho em uma daquelas quedas d'água, não teve dúvida: arrancou a roupa e em vez de pular na água, começou a passar lama no corpo. O engraçado foi quando ele foi me contar os detalhes da bunda, das pernas. Do rosto ele não falou nada... mas do sutiã foi muito engraçado. Ele tirou a blusa, segurou nos mamilos, puxou pra frente e fez ploc! Caiu na gargalhada, ele queria me mostrar que de repente os peitos pularam para fora do sutiã, como se fossem dois Air Begs.

Confesso que nunca havia imaginado uma conversa tão longa com um surdo-mudo, percebi que a comunicação pode ser feita de várias maneiras e não apenas com as palavras, essa pode ser a pior delas. A felicidade daquele cidadão, naquele momento, era tão ou maior do que a nossa. Foi sem dúvida um diálogo interessante e uma das caminhadas mais compensadoras. Os trinta reais foram mais do que merecidos.

Pedro Cardoso DF
Enviado por Pedro Cardoso DF em 12/06/2007
Reeditado em 05/10/2017
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